Deus também tem ç
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
"Deus também tem esperança", é a reflexão que Pe. Gerson Schmidt* nos propõe no início desta semana. Novamente o sacerdote gaúcho inspira-se nos escritos do cardeal Raniero Cantalamessa OFMCap. Sua afirmação de que “Deus também espera” é provocadora e teologicamente rica, pois em termos clássicos, Deus é plenitude, ato puro, sem necessidades ou carências — logo, não esperaria ou teria fé como os humanos. Mas Cantalamessa usa uma a linguagem da fé em sentido relacional, atribuindo a Deus sentimentos humanos para expressar Seu envolvimento conosco. Nesse sentido, dizer que Deus “espera” ou “tem esperança em nós” é uma forma profunda de expressar que Ele confia, aguarda livremente nossa resposta de amor e fidelidade.
"Santo Agostinho, no comentário sobre a Primeira Carta de São João[1], intitulado “o amor cobre uma multidão de pecados”, fala que “estamos correndo, portanto, e é para a pátria que corremos. Mas, se perdemos a esperança de chegar, falhamos por nossa própria falta de esperança. No entanto, aquele que deseja que cheguemos, para nos ter consigo na pátria, nos alimenta no caminho”. Pois é Deus que alimenta em nós a esperança, para que não esmoreçamos na caminhada diária.
As virtudes teologais são tratadas por dois grandes poetas: Dante Alighieri e Charles Péguy. Péguy diz que “a fé vê apenas aquilo que é, mas a esperança vê o que será. A caridade ama apenas o que é; A esperança ama o que será”. Cardeal Raneiro Cantalamessa escreve em seu livro intitulado “Fé, esperança e caridade – as três graças do Cristianismo”, que Deus também espera. Pode parecer estranho que até Deus conheça a esperança, porque Ele tudo é, em plenitude.
A caridade é recíproca, porque Deus nos ama e nós o amamos. Mas não é assim necessariamente com a fé e a esperança. Nós temos fé e esperança em Deus, mas Deus pode ter fé e esperança em nós? E a resposta é que Deus tem muita confiança e fé em nós, mais do que nós nele, porque confiou-nos, desde o início, toda a criação. Jesus mesmo disse que haverá mais alegria no céu por um só pecador que se converte, do que por 99 justos que não precisam de conversão (cf. Lc 15,7). Claro que isso é uma alegoria, porque como deve uma ovelha pesar na balança tanto quanto todas as restantes juntas e a contar mais é precisamente aquela que fugiu e criou mais problemas?
A explicação que Cantalamessa considera mais conveniente é esta: “ao perder-se esta ovelha, tal como filho pródigo, fez tremer o coração de Deus. Deus temeu perdê-los para sempre, ser forçado a condená-los e a privar-se deles eternamente. Este medo faz brotar a esperança em Deus e a esperança uma vez realizada provocou a alegria e a festa”. E diz o poeta Péguy: “Cada conversão do ser humano é o coroar de uma esperança de Deus”.
A condição que torna a possível esperança é o fato de não vermos o futuro; não sabemos o que ele nos reserva e, portanto, há espaço em nós para esperança. Em Deus que conhece o futuro, a condição que torna possível uma forma de esperança é que Ele não quer e, em certo sentido, não pode realizar o que deseja sem o nosso consentimento. A liberdade humana explica a existência da esperança em Deus. Deus aguarda nossa conversão. Nosso Deus é um Deus que não quer a morte do injusto, mas que ele mude de comportamento e viva (cf. Ez 33,11). Não quer a morte do corpo, muito menos a morte eterna da alma. Se a morte da alma ocorrer, uma coisa é certa: não foi Deus quem a quis e a decidiu. A vontade de Deus é que “todos sejam salvos”, conforme professa a segunda carta de São Paulo a Timóteo(2,4).
No (2021-2024) que tratou sobre o tema da “sinodalidade”, aponta algumas reflexões sobre a esperança. No número 13 do documento diz que “na manhã de Pentecostes, encontramos três discípulos: Maria de Magdala, Simão Pedro, o discípulo que Jesus amava. Cada um deles procura o Senhor à sua maneira, cada um tem o seu papel na aurora da esperança. Maria Madalena é movida por um amor que a leva primeiro ao túmulo. Avisados por ela, Pedro e o Discípulo Amado dirigem-se para o túmulo; o Discípulo Amado corre com a força da juventude, procura com o olhar de quem sente primeiro, mas sabe dar lugar ao mais velho a quem foi confiada a tarefa de guia; Pedro, oprimido por ter negado o Senhor, aguarda o encontro com a misericórdia da qual será ministro na Igreja. Maria permanece no jardim, ouve chamar pelo seu nome, reconhece o Senhor que a envia para anunciar a sua ressurreição à comunidade dos discípulos. É por isso que a Igreja a reconhece como Apóstola dos Apóstolos. A dependência recíproca entre eles encarna o coração da sinodalidade”.
Na verdade, é na aurora que se desponta a percepção do Ressuscitado. A aurora de um novo dia, sempre é sinal de esperança. Cristo Vitorioso nos dá a esperança de vencer a cada dia que passa, onde o outro nos desperta para o olhar para o Ressuscitado. Cada dia, um novo dia, uma nova perspectiva, um novo começo, um despontar de uma nova realidade.
Nesse mesmo documento das conclusões finais da “escuta sinodal”, lemos assim: “A Igreja existe para testemunhar ao mundo o acontecimento decisivo da história: a ressurreição de Jesus. O Ressuscitado traz a paz ao mundo e dá-nos o dom do seu Espírito. Cristo vivo é a fonte da verdadeira liberdade, o fundamento da esperança que não engana, a revelação do verdadeiro rosto de Deus e o destino último do homem”[2].
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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[1] SANTO AGOSTINHO DE HIPONA, Tract. 1,5-6: SCh 75,124-126, Séc. V.
[2] PAPA FRANCISCO, XVI ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SINODO DOS BISPOS, “Por uma Igreja Sinodal, comunhão, participação e missão”, Documento Final, CNBB, n. 14, p.25.
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