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O livro intitulado "O encontro que acende a ç", de Davide Prosperi O livro intitulado "O encontro que acende a ç", de Davide Prosperi 

Pe. Giussani: a "falência do ser humano" e a misericórdia que desvenda o horizonte

Na presença de dom Rino Fisichella foi apresentado na sexta-feira (06/06) o livro “O encontro que acende a ç”, obra de Davide Prosperi, publicado pela Livraria Editora Vaticana. São textos inéditos de Padre Luigi Giussani, fundador de Comunhão e Libertação da Itália, concernentes aos exercícios espirituais pregados, em 1985, aos estudantes universitários do Movimento. Agora a gente propõe o prefácio do livro escrito pelo cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano.

Pietro Parolin

Tenho o prazer de apresentar, em poucas linhas, este texto inédito do Servo de Deus, Luigi Giussani, cuja publicação estava prevista durante este Ano Santo da Esperança, que teve início em 24 de dezembro 2024, com a abertura da Porta Santa da Basílica de São Pedro pelo Papa Francisco. De fato, a temática do Padre Luigi Giussani foi retomada por Bento XVI, em sua Encíclica sobre a Esperança “Spe salvi”: “O que podemos esperar?” Historicamente, diante das tragédias do mundo, qual esperança tem direito à cidadania? Todos nós, individualmente, como criaturas marcadas por nossas limitações, temos direito à esperança?

Gostaria de destacar aqui alguns pontos que, pessoalmente, mais me impressionaram nas palavras do Servo de Deus.

Em 1985, quando Padre Luigi Giussani fez estas reflexões, ele captou, como um sismógrafo muito sensível, as convulsões sociais e culturais da sua época. Em poucas palavras, após a tumultuada temporada de 1968 e da década de 1970, ele intuiu certo “refluxo no privado”, várias vezes retomado pela sociologia, como característica unificadora da década de 1980. Com uma linguagem vigorosa, rica de ímpeto e imaginação, parece que ele queria explicar tal consciência com estas palavras: “Neste dinamismo de libertação, os ‘outros’ colocam a sua esperança em um projeto social compartilhado, onde a partilha é, geralmente, imposta pela propaganda. Logo, há uma alienação inicial, porque esperam ter liberdade com um projeto social; mas também uma alienação final, porque a sua esperança, pelo projeto social, é ditada também pela sociedade e o poder, por meio da propaganda. Enfim, têm a vantagem, que parece obter algo imediato: aferrar ou possuir uma mulher, o dinheiro, a carreira, a vingança, mas, tudo tem uma brevidade evidente: não tendo paciência, do que aproxima e infla o gosto e a percepção e do que está prestes a ser agarrado, tudo está destinado a um grave colapso ou naufrágio” (Cf. p. 74).

Assim, o Padre Giussani parece sugerir-nos que, diante da recessão das ideologias, a pessoa chega ao colapso, ao naufrágio naquele movimento contrário ao dom de si, que ele identifica com o verbo “aferrar”. Agarrar tudo – o outro, o dinheiro, a carreira, os relacionamentos... – pensando que leva à felicidade. Ao invés, o resultado nada mais é do que um afundamento na decepção de se encontrar sem nada nas mãos.

Nestas alturas, Padre Giussani parece nos oferecer um desafio no pensamento e compreensão do fato cristão. Longe de qualquer redução moralista, na qual possamos nos fechar, o sacerdote acha que este choque com as limitações do ser humano, é uma bênção; é Deus que vem ao nosso encontro; é uma oportunidade para se defrontar com a ação mais genuína de Deus da Bíblia, ou melhor, com a sua Misericórdia: “Há alguns anos, em um dos nossos retiros, dissemos que o limite […], que se choca com a ilimitação das necessidades, é a proximidade do além, é o sentimento do além que bate à porta” (p. 33).

Mas, qual o nome que devemos dar a este “além”, que bate à porta? O próprio Papa Francisco falou: “O choque com as nossas limitações e o nosso desejo de infinito são lugares abençoados por Deus. Por isso, algumas vezes, vocês me ouviram dizer que ‘o lugar privilegiado do encontro com Jesus Cristo é o meu pecado’. É graças a este abraço misericordioso que podemos responder e mudar, que uma vida diferente pode desabrochar. A moral cristã não é um esforço titânico e voluntário de alguém que decide ser coerente e consegue; é uma espécie de desafio solitário no mundo. Não. Isso não faz parte da moral cristã, bem pelo contrário: a moral cristã é uma resposta, uma resposta emocional, diante de uma misericórdia surpreendente, imprevisível, até “injusta", segundo critérios humanos, de Alguém que me conhece, conhece minhas traições, mas me ama do mesmo jeito, me estima, me abraça, vai ao meu encontro de novo, tem esperança em mim, me espera” (Discurso ao movimento Comunhão e Libertação, 7 de março de 2015).

É justamente aqui, quando uma visão mínima do fato cristão poderia reduzir a uma tarefa moral, que Padre Giussani nos ajuda a amadurecer. Ouso dizer que, para ele, a esperança nasce precisamente deste duplo movimento: é deste “bater à porta” do limite, em relação ao infinito, que o homem sente dentro de si o espanto de que a misericórdia de Deus desperta. A esperança nasce deste duplo abismo: a nossa limitação, que, por vezes, parece infinita, vai bem mais além da ternura de Deus, que “enche” este nosso abismo com a pessoa de Cristo.

O Papa Francisco afirmou sempre que a esperança é filha da misericórdia, porque Deus perdoa sempre: “Deus nunca se cansa de perdoar; somos nós que nos cansamos de pedir perdão”. A esperança não brota de nós, mas d’Ele; ela não é fruto do nosso otimismo, que, por vezes, permanece enredado no desespero, perante as misérias da história; ela é um dom daquele Deus que derrama, continuamente, a sua ternura e a sua misericórdia sobre o seu Povo. Eis porque Padre Luigi Giussani faz questão de salientar que “o centro da nossa vida não somos nós, com as nossas poucas forças, mas aquele Deus que nos criou, ao qual pertencemos.

Em uma página de singular frescor, com a atitude de um verdadeiro educador, Padre Luigi Giussani convida seus jovens ouvintes a fugir de todo o desânimo e tentação à inatividade: “Rapazes, não tenham medo! Não tenham medo de não conseguir. Como vocês podem viver? Foi Outra pessoa que os fez e que os desperta para a existência. Portanto, não tenham medo de não conseguir, porque Outra pessoa que age em vocês” (p. 126).

Eis, pois, a nossa abertura à ação de Deus, ao Deus da história, da grande história e da minha história pessoal. É Ele que nos dá esperança: porque nós não somos o centro do mundo, mas Ele. Desta forma, nasce em nós a esperança verdadeira de que nossos dias, nossas preocupações e nosso viver descansam em mãos seguras.

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08 junho 2025, 08:15