杏MAP导航

Alessandro Gisotti

As histórias 鈥減odem ajudar-nos a entender e a dizer quem somos鈥� porque 鈥渙 homem é um ser narrador鈥� que precisa 鈥渞evestir-se de histórias para custodiar a própria vida鈥�. O Papa Francisco ressalta isso em sua Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2020, publicada esta sexta-feira (24/01) memória de São Francisco de Sales, padroeiro dos jornalistas.

Uma mensagem que, todavia, abraça um horizonte bem mais amplo do que a profissão jornalística, como efetivamente Francisco nos habituou desde sua primeira Mensagem para as Comunicações Sociais, a de 2014, quando traçou uma união ideal entre a figura evangélica do Bom Samaritano e a missão realizada hoje pelos 鈥渂ons comunicadores鈥�.

Num tempo marcado pelo uso instrumental da palavra, utilizada para causar divisão, 鈥渄oença鈥� da qual infelizmente o mundo católico não é imune, o Papa nos recorda que a comunicação é autêntica se edifica, não se destrói. Se é 鈥渉umilde鈥� na 鈥渂usca da verdade鈥�, como já ressaltado na audiência de maio passado aos jornalistas da Associação Imprensa Estrangeira.

E diante do propagar-se de narrações 鈥渇alsas e malvadas鈥� 鈥� até a sofisticada aberração do deep fake (profunda falsificação) 鈥�, o Papa encoraja a fazer de modo que a narração fale 鈥渄e nós e do belo que nos habita鈥� ajudando 鈥渁 reencontrar as raízes e a força para seguir adiante juntos鈥�. Precisamos 鈥� é a sua exortação 鈥� 鈥渞espirar a verdade das boas histórias鈥�.

A Sagrada Escritura, uma 鈥淗istória de histórias鈥�

Na Mensagem é citada a storytelling, técnica sempre mais em voga em vários ambientes da publicidade à política, mas a narração pensada por Francisco não segue lógicas mundanas. Tem um valor mais profundo que 鈥渞ecorda aquilo que somos aos olhos de Deus鈥�. De resto, uma indicação reveladora daquilo que o Papa considera ser um modelo de narração vem já do tema escolhido para a Mensagem: 鈥�Para que possas contar e fixar na memória (Ex 10, 2). A vida faz-se história鈥�.

A Sagrada Escritura, observa o Pontífice, é 鈥渦ma História de histórias鈥� e acrescenta que a Bíblia nos mostra 鈥渦m Deus que é criador e ao mesmo tempo narrador鈥�. Propriamente 鈥渁través do seu narrar 鈥� prossegue 鈥� Deus chama as coisas à vida e, no ápice, cria o homem e a mulher como seus livres interlocutores鈥�.

Na iminência da celebração do 鈥淧rimeiro Domingo da Palavra de Deus鈥�, instituída com a Carta Apostólica Aperuit Illis, Francisco nos convida, portanto, também com esta Mensagem, a fazer-nos próximos da Sagrada Escritura, a fazê-la nossa, recordando-nos que 鈥渁 Bíblia é a grande história de amor entre Deus e a humanidade鈥�. Por outro lado, como nos ensina o Livro do Êxodo 鈥� do qual o tema da Mensagem é extraído 鈥� aprendemos que 鈥渙 conhecimento de Deus se transmite sobretudo contando, de geração em geração, como Ele continua se fazendo presente鈥�.

A tentação das narrações falsas e malvadas

Uma parte importante do documento é dedicada pelo Papa às 鈥渉istórias destrutivas鈥� que descreve com palavras que recordam o caráter imediato das homilias feitas na Casa Santa Marta. Mais uma vez 鈥� como na Mensagem para as Comunicações de 2018 dedicada ao fenômeno das fake news -, Francisco chama a atenção para a tentação da serpente, narrada no Livro do Gênesis, que 鈥渋nsere na trama da história um nó difícil de desfazer-se鈥�. O Papa denuncia aquelas histórias que 鈥渘os entorpecem, convencendo-nos de que para ser felizes precisamos continuamente ter, possuir, consumir鈥�.

E, retomando um tema que tem muito a peito, estigmatiza a avidez de 鈥渂oatos e mexericos鈥� dos quais 鈥渜uase não nos damos conta鈥�, bem como a muita 鈥渧iolência e falsidade鈥� que 鈥渃onsumimos鈥�. A consequência última é o difundir-se de 鈥渉istórias destrutivas e provocatórias que consumam e quebram os fios frágeis da convivência鈥�. É colocada em risco a dignidade humana, lê-se na Mensagem, que é espoliada pela união de 鈥渋nformações não verificadas鈥� com a repetição de 鈥渄iscursos banais e falsamente persuasivos鈥� que golpeiam 鈥渃om proclamações de ódio鈥�.

A tudo isso, pede que se reaja com 鈥渃oragem鈥� para repelir tais ameaças. Num mundo que suporta 鈥渢antas dilacerações鈥�, Francisco faz votos de que se possa 鈥渞econduzir à luz a verdade daquilo que somos, inclusive na heroicidade ignorada do cotidiano鈥�.

Nenhuma história humana é insignificante aos olhos de Deus

Em seguida, o Papa dirige a atenção para a história de Jesus, que mostra como Deus cuidou do homem e que para Ele 鈥渘ão existem histórias humanas insignificantes ou pequenas鈥�. Por obra o Espírito Santo 鈥� acrescenta 鈥� toda história, mesmo a mais esquecida鈥�, pode 鈥渞enascer como obra-prima, tornando-se um apêndice de Evangelho鈥�. Cita algumas histórias que 鈥渁dmiravelmente encenaram o encontro entre a liberdade de Deus e a do homem鈥� das Confissões de Agostinho e os Irmãos Karamazov.

Convida a ler as histórias dos santos e a partilhar aquelas 鈥渉istórias que têm perfume de Evangelho鈥� que cada um de nós conhece. 鈥淐ontar a Deus a nossa história jamais é inútil鈥�, reitera, porque 鈥渘inguém é um figurante na cena do mundo e a história de cada um é aberta a uma possível mudança鈥�. Por isso, observa, 鈥渢ambém quando contamos o mal鈥� podemos reconhecer o bem e 鈥渄ar-lhe espaço鈥�.

A Mensagem conclui-se com uma oração a Maria a fim de que possa ouvir nossas histórias, possa custodiá-las. Evocando uma imagem querida para Francisco e presente também na Casa Santa Marta, pede à Virgem que desfaça 鈥渙 cúmulo de nós em que é emaranhada a nossa vida鈥�, ajudando-nos a 鈥渃onstruir histórias de paz e de futuro鈥�.