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Rui Saraiva - Portugal

Na semana passada decorreram de 3 a 6 de fevereiro, no Campus Porto da Universidade Católica Portuguesa (UCP), as Jornadas de Teologia dedicadas ao tema 鈥淐iberteologia e Inteligência Artificial鈥�.

As conferências de abertura estiveram a cargo do arcebispo D. Vincenzo Paglia, presidente do Pontifício Conselho para a Vida e do padre Andrea Ciucci, da Pontifícia Academia para a Vida.

Algorética ou ética da IA

A intervenção de D. Vincenzo Paglia foi sobre 鈥淎 mudança de época e o desafio da inteligência artificial鈥� e nela referiu o 鈥淎pelo de Roma para a Ética da Inteligência Artificial (IA)鈥�, um documento pensado e promovido pela Pontifícia Academia para a Vida e, posteriormente, pela Fundação RenAIssance, criada pelo Papa Francisco em 2021 e que exige uma abordagem ética da IA.

O prelado assinalou que 鈥渘o domínio da inteligência artificial, os progressos foram mais rápidos e generalizados do que se esperava鈥� e lembrou o termo utilizado pelo Papa Francisco, 鈥渁lgorética, ou ética da inteligência artificial鈥�.

鈥淨ueremos propor uma humanização da tecnologia鈥� e a 鈥渁lgorética opõe-se à algocracia, que é o poder indiscriminado dos algoritmos鈥�, afirmou.

Em declarações ao Vatican News, D. Vincenzo Paglia sublinhou a necessidade de envolver a política, a cultura, os intelectuais, as universidades e os diferentes grupos sociais numa visão comum sobre o tema da IA.

鈥淯ma tecnologia que esteja ao serviço apenas do poder, pode ser, verdadeiramente perigosa. É preciso que a política, a cultura, os intelectuais, as universidades e os diferentes grupos sociais entendam de novo a responsabilidade de uma visão comum鈥�, disse.

Para o arcebispo italiano neste esforço de análise crítica sobre a IA devem também ser envolvidas todas as áreas do saber, todas as ciências.

鈥淥u seja, todas as ciências, onde se inclui a teologia, a filosofia, a moral, mas também a música, a arte e a matemática, encontrem-se e juntas possam redesenhar o futuro do humano. Com a salvaguarda de todos, sobretudo dos mais pobres, de um excesso de poder de uma cultura tecnológica, de uma cultura mercantilista, de uma cultura soberanista鈥�, referiu D. Paglia.

D. Vincenzo Paglia recordou que 鈥渘unca devemos esquecer que por trás de uma palavra como 鈥榩erfil鈥� estão pessoas reais e não modelos matemáticos鈥�. Assinalou os perigos da utilização sem critério do 鈥渞econhecimento facial鈥� de dados pessoais.

鈥淎 nossa responsabilidade ética é incontornável鈥�, afirmou. E nesta responsabilidade ética, a Igreja tem uma missão especial, um verdadeiro serviço para salvar o mundo, disse o arcebispo.

鈥淓u estou convencido que a Igreja deve redescobrir este seu serviço. Acho mesmo que o risco de ser demasiado autorreferencial, bloqueie aquela indicação do Papa Francisco que quer uma Igreja em saída. Isto é, uma Igreja que ajuda o Homem a permanecer humano. A Igreja hoje, mais do que salvar-se a si própria, deve salvar o mundo. Como diz o Evangelho 鈥淒eus amou tanto o mundo que lhe mandou o Seu Filho鈥�. Deus ama tanto o mundo que manda a Igreja a salva-lo鈥�, declarou.

Ainda sobre o 鈥淎pelo de Roma鈥�, o arcebispo Paglia lembrou que as companhias Microsoft e IBM são signatárias deste documento e sublinhou que este é 鈥渦m instrumento鈥� que convoca 鈥渙s diferentes atores para o desenvolvimento de uma ética da IA鈥�.

Sem medo do futuro e com corpo no testemunho

Por sua vez, o padre Andrea Ciucci, apresentou uma conferência com o seguinte título em modo interrogativo: 鈥淥 que é que a transição digital pede à Igreja?

O sacerdote de Milão começou por falar do medo da Igreja em relação à investigação científica, não obstante a grande 鈥渓ista de monges, padres, freiras e irmãs que dedicaram a sua vida à investigação científica鈥�.

Mas 鈥渁 Igreja tem medo鈥�, apontou. Ou seja, por vezes, 鈥渢eme que, de algum modo, a investigação científica ponha em perigo a sua mensagem, minando a sua força, por vezes até o seu poder鈥�, disse o padre Ciucci.

O sacerdote citou 鈥渙 caso de Galileu鈥�. 鈥淧erante Galileu e o seu telescópio, a Igreja tem medo, medo de perder um pouco de poder e de força.鈥�

鈥淨uando a Igreja tem medo, retrai-se, condena, nega, queima. Olha para o passado. Prefere suspender a sua investigação inteligente sobre as condições da realidade. Entrincheira-se atrás de dogmas que servem para fechar discursos, em vez de abrir novos discursos sobre bases sólidas鈥�, declarou o sacerdote.

Afirmou que 鈥渁 inteligência artificial impõe um novo olhar sobre o futuro鈥� e alertou que a Igreja corre o risco de ser uma espécie de 鈥渁gência do passado鈥�. Para o padre Andrea Ciucci, a Igreja deve habitar o presente imaginando o futuro, não deixando de fazer memória do passado.

鈥淎 Igreja vive sempre assim: memória de um passado, não para o repetir, mas para habitar o presente e imaginar o futuro鈥�, afirmou o sacerdote ao Vatican News.

Para o padre Andrea Ciucci, no âmbito das reflexões sobre este tema da IA é essencial voltar a refletir sobre o tema do corpo. Desde logo, porque a IA não tem corpo e 鈥渙 pensamento humano tem sempre um corpo鈥�.

E acrescentou: 鈥淪omos mais do que a nossa inteligência. Exatamente, somos corpo e sensibilidade e afetos e história e relações...鈥�

Para o sacerdote, nesta 鈥渆ra da inteligência artificial, somos chamados a falar novamente de corpos, ou melhor, a valorizar os nossos corpos鈥�, 鈥減orque a experiência cristã é a religião dos corpos鈥�.

Porque 鈥渆ncontramos a nossa verdade no corpo ressuscitado de Cristo. Todos os domingos distribuímos e comemos o corpo de Cristo e, recitando o credo, afirmamos, não a imortalidade das almas, mas a ressurreição dos corpos鈥�, disse o padre Ciucci.

Assim, uma Igreja entendida como Povo de Deus, como enuncia o Concílio Vaticano II, que vive mais em rede, será mais capaz de falar às novas gerações, declarou o sacerdote ao Vatican News.

鈥淪omos Povo de Deus que é aquilo que o Concílio [Vaticano II] nos entrega e que creio seja capaz de falar em modo significativo às novas gerações, que da rede fazem um dos lugares onde habitam鈥�, afirmou.

No final da sua conferência, o padre Andrea Ciucci deixou três ideias para o futuro:

- apontou a importância de trabalhar nas comunidades em rede, tendo mesmo recordado a estrutura de trabalho das 鈥渕esas redondas鈥� no Sínodo;

- salientou também a emergência das 鈥渘arrativas鈥�, assim como Jesus contava parábolas. Lembrou que 鈥渁s redes sociais não inventaram a narração de histórias鈥� e que 鈥淛esus é um comunicador narrativo por excelência: conta histórias, parábolas. Narra-se a si próprio e à sua experiência de Deus鈥�;

- assinalou a importância dos 鈥渋nfluenciadores鈥� na web. Estes 鈥渘ão são particularmente especializados num assunto, mas dão-lhe o seu rosto鈥�, afirmou. 鈥淎 experiência cristã sempre se difundiu graças ao testemunho, ao facto de alguém ter dado a cara por ela鈥�, concluiu o padre Ciucci.

As Jornadas de Teologia são uma iniciativa anual da Faculdade de Teologia da UCP.

Laudetur Iesus Christus