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Busto do Embaixador do Reino do Congo, António Manuel Nsako Ne Vunda, conservado na  Basílica Papal de Santa Maria Maior, em Roma. Busto do Embaixador do Reino do Congo, António Manuel Nsako Ne Vunda, conservado na Basílica Papal de Santa Maria Maior, em Roma.  (Foto © Capitolo di Santa Maria Maggiore)

António M. Ne Vunda: Pioneiro da Diplomacia Africana na Santa Sé

Concluiu-se recentemente, em Roma, nas Scuderie do Quirinal, a Exposição “Barroco Global: o mundo em Roma no tempo de Berniniâ€. Desse mundo do século XVII, fez parte António Manuel Ne Vunda, primeiro Embaixador da ôڰù¾±³¦²¹ junto da Santa Sé. Foi enviado pelo Reino do Congo com uma importante missão, cujo teor é ilustrado pelo atual Embaixador de Angola junto da Santa Sé e pelo poeta e editor, Filinto Elísio, na sua habitual crónica para o programa "ôڰù¾±³¦²¹ em Clave Cultural: personagens e eventos".

Dulce Araújo - Vatican News

Poucos sabem que já no século XVII a África, mais precisamente o Reino do Congo, procurou estabelecer relações diplomáticas com a Santa Sé. O Rei Mpangu-a-Nimi Lukeni Iua Mvemba, ou Dom Álvaro II, enviou a Roma uma delegação de vinte e cinco pessoas, chefiada pelo Príncipe António Manuel Ne Vunda, que se encontra sepultado na Basílica de Santa Maria Maior, ao lado de Papas e ilustres personalidades da época. A delegação partira do Congo em 1604 e chegara a Roma em janeiro de 1608, apenas alguns, pois a maior parte deles morreu pelo caminho e o Príncipe que chegou muito doente, viria a falecer na noite de 5 para 6 de janeiro, tendo recebido, previamente, no seu leito, a visita do Papa Paulo V, e cumprido a missão que o trouxera a Roma. 

O túmulo de António Manuel Ne Vunda está assinalado por um busto da sua efígie. Por vontade do Papa Francisco, agora também ele sepultado nessa Basílica (assim como  o Papa Paulo V) esse busto foi restaurado e concedido para a Exposição “Barroco Global: o mundo em Roma no século de Berniniâ€, que esteve patente nas “Scuderie del Quirinale" (Presidência da República Italiana) de 4 de abril a 13 de julho de 2025.

As Scuderie realizaram essa Exposição juntamente com a Galaria Borghese de Roma e com a participação e colaboração de prestigiosas instituições e de museus nacionais e internacionais com o objetivo de mostrar ao mundo a Roma cosmopolita de então, através de viagens e relações culturais com a África, a América e a Ásia. A Exposição mostrou obras de arte de Mestres do Barroco como Gian Lorenzo Bernini, Pietro da Cortona, Nicolas Poussin e outros, projetando os visitantes no mundo surpreendentemente multiétnico e multicultural da época.

O Embaixador de Angola junto da Santa Sé,  Dr. Carlos Alberto Fonseca,  com o catálogo da Mostra "Barroco Global: o mundo em Roma no século de Bernini" em que sobressai a figura de António Manuel Ne Vunda
O Embaixador de Angola junto da Santa Sé, Dr. Carlos Alberto Fonseca, com o catálogo da Mostra "Barroco Global: o mundo em Roma no século de Bernini" em que sobressai a figura de António Manuel Ne Vunda

Quem pôde visitar essa Exposição, terá ficado surpreendido ao deparar logo na primeira sala com o busto em mármores policromos, efígie do príncipe Ne Vunda, obra do artista, Francesco Caporale. No retrato sobressaem, branquíssimos, na pele escura, os olhos e os dentes. O cabelo e a barba esculpidos finamente. É a fisionomia exata do rosto de Ne Vunda, obtida mediante a máscara funerária, mandada fazer pelo Papa Paulo V depois da morte do Príncipe, já com vista no monumento funerário que o Pontífice queria proporcionar, dignamente, a esse desafortunado mensageiro africano que, não obstante as desventuras da viagem e a doença, cumpriu a sua missão - salienta o Dr.  Carlos Alberto Saraiva de Carvalho Fonseca, Embaixador de Angola junto da Santa Sé, numa entrevista em que aborda diversas questões, entre as quais, a importância desse gesto diplomático do Rei do Congo para a África de hoje; o resultado dessa missão; o modelo que Nvunda representa para a diplomacia africana; o que a Embaixada tem feito para dar a conhecer a figura desse diplomata (como por exemplo a Missa celebrada por ocasião do 61º Dia da África - ver foto); as investigações históricas que se vão fazendo sobre Ne Vunda e a sua missão, e ainda eventos em preparação em Roma e em Angola para comemorar e valorizar essa importante página da História da África. 

Embaixador de Angola, junto da Santa Sé, entrevistado pela Rádio Vaticano/Vatican News
Embaixador de Angola, junto da Santa Sé, entrevistado pela Rádio Vaticano/Vatican News
Oiça aqui a entrevista realizada a 25/7/2025 e partilhe

 

Livrete da acima referida Missa
Livrete da acima referida Missa
Carta do Reino do Congo ao Pontífice, reproduzida no livrete da Missa celebrada na Basilica de Santa Maria Maior a 27/5/2024 e presidida pelo Cardeal Pietro Parolin
Carta do Reino do Congo ao Pontífice, reproduzida no livrete da Missa celebrada na Basilica de Santa Maria Maior a 27/5/2024 e presidida pelo Cardeal Pietro Parolin

Crónica 

António Manuel Nsaku Ne Vunda -  Pioneiro da Diplomacia Africana na Santa Sé

Não se pode falar das relações diplomáticas entre a África e a Santa Sé sem se referenciar ao nome de António Manuel Nsaku Ne Vunda, um sacerdote Congo, membro da nobreza, escolhido por sua integridade, fé e coragem para representar os interesses do Reino do Congo junto à Santa Sé.

O Manicongo Mpangu-a-Nimi Lukeni  Iua  Mvemba,  ou  D.  Álvaro II, que reinou de 1587 a 1613, envia uma embaixada em 1605 aos Estados Pontifícios, sob o pontificado do Papa Paulo V.

D. Álvaro II, entendendo o papel que a religião católica representava na geopolítica e o quanto a exclusividade lusitana em fazer a missão missionária na região era prejudicial para a sua soberania, optara pelo acesso direto à Santa Sé, sem a intermediação da Coroa portuguesa. O controle do clero local significaria soberania e igualdade frente aos outros povos cristãos.

O enviado a Roma era seu primo António Manuel Nsaku Ne Vunda, conhecido também como "O Negrita – Marquês de Vuntaâ€. Descrito como um “homem de cerca de trinta e três anos, negro, com pouca barba, mas de comportamento nobre e grave, e sobretudo pio e devoto; que falava em língua portuguesa e castelhana bastante bemâ€.

Essa ousada investida diplomática pôs em causa a exclusividade e a hegemonia das autoridades portuguesas – então, condicionadas pela União Ibérica. Após três anos de viagem e escalas mais ou menos longas no Brasil, em Portugal e Espanha e vários percalços, a missão chegou a Roma. 

A ordem de missão de Nsaku Ne Vunda era a de transmitir ao Papa a adesão do Reino do Congo à Igreja Católica e solicitar autorização para que o Rei pudesse nomear os bispos locais, à semelhança do rei português.

Ao saber da chegada de António Manuel Nsaku Ne Vunda, o Papa prepara uma receção marcante ao embaixador e demonstra bastante interesse na expansão da fé católica por terras da África e em estabelecer diálogos diretos entre a Santa Sé e o rei dos congoleses.

Entretanto, a sua viagem foi bastante conturbada, pois o navio que o levaria de São Salvador ((M'Banza Congo, hoje na República de Angola) até Roma foi atacado por piratas, fazendo com que o diplomata tivesse de fugir por uma embarcação menor dias depois. Ele desembarcou na Espanha e três anos depois chegou em Roma através de Génova.

Durante os anos de viagem ele contraiu uma doença que o fez ficar de cama por muito tempo. O Papa Paulo V foi até ao leito do embaixador que, mesmo doente, realizou a audiência com o líder da Igreja Católica. Faleceu no dia 6 de janeiro de 1608.

Em reconhecimento ao seu valor espiritual e humano, foi sepultado com honras pelo próprio Papa na Basílica de Santa Maria Maior, uma das mais importantes da Igreja Católica, onde está sepultado o Papa Francisco. O seu túmulo, onde é referido como “Dom António Manuel, Príncipe do Kongoâ€, ainda pode ser visitado hoje.

Essa demonstração de interesses no contato direto entre Roma e Reino do Congo diminuiria a dependência dos congoleses da coroa portuguesa quanto à sua relação com o restante da cristandade.

António Manuel Nsako Ne Vunda, além de ter sido primeiro embaixador africano na Santa Sé, foi o segundo diplomata não-europeu a fazê-lo. O primeiro foi o japonês Hasekura Tsenenaga, em 1582. 

A sua memória está hoje a ser celebrada em África e no mundo, inclusive no Vaticano, em que o seu nome simboliza a matriz das relações entre a Igreja e todos os povos do Mundo. A Rosa de Porcelana Editora e NOVAMONTI preparam um evento internacional sobre o Embaixador Ne Vunda a realizar-se em 2026.

Filinto Elísio - Rosa de Porcelana Editora

Oiça aqui a emissão "África em Clave Cultural: personagens e eventos" de 31/7/2025
Selo comemorativo dedicado pela República de Angola à figura de António Manuel Ne Vunda
Selo comemorativo dedicado pela República de Angola à figura de António Manuel Ne Vunda

 

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31 julho 2025, 10:40