O Nosso Deus da Esperan?a
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
Seguimos nossa caminhada neste Ano Jubilar como "Peregrinos de Esperança". São Paulo, especialmente na Carta aos Romanos (Rm 15, 13), fala de Deus como ¡°o Deus da esperança¡± para enfatizar que é Ele quem infunde no coração dos crentes uma expectativa viva e confiante do cumprimento de Suas promessas, sustentando-os com alegria e paz pela fé. E essa esperança, como ressaltado por tantos Pontífices, não é mero otimismo humano, mas uma certeza enraizada na fidelidade divina e no poder do Espírito Santo.
Santo Agostinho, em sua reflexão teológica e pastoral, aprofunda essa visão mostrando que a esperança é inseparável da caridade e da fé: ela orienta o coração para o bem eterno, mantendo a alma firme mesmo nas provações. Para ele, o Deus da esperança não apenas oferece um futuro glorioso, mas já se dá no presente como fonte de consolo e força, moldando o cristão para que viva neste mundo com os olhos voltados para a eternidade.
Padre Gerson Schmidt*, que tem enriquecido nosso itinerário jubilar com sua reflexões, nos propõe hoje "O Nosso Deus da Esperança":
"O mais belo texto do Novo Testamento da segunda virtude teologal é a do Apóstolo Paulo na Epístola aos Romanos, uma condensada perene exortação sobre a Esperança: ¡°que o Deus da esperança os encha de toda alegria e paz na fé, para que vocês transbordem de esperança pela ação do Espírito Santo¡± (Rm 15,13). A expressão ¡°O Deus da esperança¡± não indica apenas o Deus que prometeu a vida eterna e que dá o auxílio necessário para alcançá-la, ou o Deus que esperamos possuir um dia. Significa também isso, mas não somente. O Deus da esperança é também o Deus que nos permite esperar, que abre o coração à esperança. É o Deus que alimentou a expectativa incoercível dos profetas; o Deus da promessa que desdobra o futuro e impulsiona o seu povo para frente. É o Deus que nos liberta da terrível prisão do tempo, como libertou seu povo da escravidão do faraó.
Nessa expressão ¡°o Deus da esperança¡±, Deus é ao mesmo tempo sujeito e objeto. É o Deus que dá esperança e que é dado na esperança, que está no princípio e no fim dela. A expressão tem ressonâncias que se podem incluir mais do que explicitar em palavras. O mesmo deve ser dito da frase: ¡°Cristo a esperança da Glória está em vocês¡±(Cl 1,27). O Cristo ressuscitado aparece aqui como aquele que nos dá a força de esperar e que mantém viva a esperança, que é Ele mesmo com seu espírito a fonte de esperança viva e transbordante no mais profundo de nosso coração. Quando, portanto, o apóstolo diz que os cristãos devem ¡°ser alegres na esperança¡± (Rm 12,12), não quer dizer apenas que os cristãos esperam ser alegres, mas que são alegres por esperar, alegres já agora, não simplesmente por aquilo que virá.
Em Isaías, há uma palavra de Deus que exprime muito bem o que estamos falando. A esperança, como um estado de ânimo, nos impulsiona pra frente, como uma vida que floresce. Transforma tudo o que toca. Diz assim essa palavra do profeta Isaías: ¡°Até os jovens se afadigam e cansam, e os moços também tropeçam e caem. Mas, os que esperam no Senhor renovam suas forças, criam asas como águias. Correm e não se afadigam, podem andar que não se cansam¡± (Is 40,30-41). De acordo com biólogos, as águias, de fato, passam por um processo de troca de penas, mas isso ocorre naturalmente ao longo da vida, e não como um evento dramático aos 40 anos, como se criou a lenda.
Esperar no Senhor é a grande confiança que nos dá esperança naquele que nos fortalece e não nos dá cansaço. Como diz o salmista, no Salmo 42, comparando a sua sede como a da corsa pelas águas da torrente: ¡°Por que estás abatida, ó minha alma, e por que te perturbas em mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei pela salvação da sua face¡± (Salmo 42,5). Por que a corça suspira pelas águas da torrente? Porque ao ser perseguida, ela enala um suor facilmente percebida por seu perseguidor. Foge até as águas para se banhar e fugir e despistar de seu caçador.
No ¡°Comentário sobre os Salmos¡±, do bispo Santo Agostinho, falando do Salmo 148¹, diz que ¡°toda nossa vida presente deve transcorrer no louvor a Deus, porque a eterna alegria da nossa vida futura será o louvor de Deus. Ninguém será apto para a vida futura, se desde já não se exercitar para isso. Agora, portanto, louvemos a Deus, mas também roguemos a Ele. Nosso louvor é alegria, nossa oração é gemido. De fato, foi-nos prometido algo que ainda não possuímos, mas, sendo veraz o Senhor que prometeu, alegramo-nos na esperança; entretanto, não tendo ainda o objeto de nossa esperança, gememos cheios de desejos. É bom perseverar no desejo até que venha o que foi prometido, então acabará o gemido e permanecerá somente o louvor¡±. Cardeal Raneiro Cantalamessa menciona Santo Agostinho em seu livro intitulado ¡°Fé, esperança e caridade ¨C as três graças do Cristianismo¡±, que declara assim em seus sermões: ¡°Com a esperança, Deus nos amamenta, nos nutre, nos fortifica e nos consola entre os sofrimentos da vida presente. Por essa esperança, cantamos o aleluia e se a esperança nos proporciona uma alegria tão grande, o que será a realidade possuída? Perguntas o que será? Ouve: ¡®serão saciados da abundância de tua casa¡¯(Sl 36,9).Eis o que tem por objeto a nossa esperança¡±².
Continua Santo Agostinho a comentar o Salmo 148: ¡°Na verdade, todos os ímpios podem agora cantar conosco o Aleluia. Mas se eles perseverarem em sua malícia, podem, sim, cantar com os lábios a música de nossa vida futura, porém não poderão obter a realidade daquela vida que agora é indicada, pois não quiseram pensar sobre isso antes de ela vir, nem possuir o que estava por vir. Agora, pois, irmãos, exortamos-vos a louvar a Deus. É isto o que todos nós exprimimos reciprocamente quando cantamos: Aleluia. Louvai o Senhor!, dizemos nós uns aos outros. E assim todos põem em prática aquilo que se exortam reciprocamente. Mas louvai-O com todas as vossas forças, isto é, louvai a Deus não só com a língua e a voz, mas também com a vossa consciência, vossa vida, vossas ações. Na verdade, louvamos a Deus quando nos encontramos reunidos na igreja. Mas logo ao voltarmos para casa, parece que deixamos de louvá-Lo. Não deixes de viver santamente e louvareis sempre a Deus¡±."
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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¹ SANTO AGOSTINHO, Salmo 148,1-2, Séc. V.
² CANTALAMESSA, RANEIRO. ¡°Fé, esperança e caridade ¨C as três graças do Cristianismo¡±, Ed. Paulus, 2024, p.100.
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