Com os amigos, cresce-se na ´Ú¨¦: a li??o de Agostinho e as palavras de Le?o
Tiziana Campisi ¨C Vatican News
"Em todas as coisas humanas, nada é precioso ao homem sem um amigo", escreveu Santo Agostinho numa Carta (130,2,4) a Proba, uma nobre romana da ilustre família Anícia, que lhe perguntou como rezar e o que pedir a Deus. Na carta, o Bispo de Hipona inclui a amizade entre os verdadeiros bens que os homens devem buscar. Ele exorta a não a restringir "a limites estreitos", pois "ela abrange todos aqueles a quem se deve afeto e amor, embora se dirija com mais boa vontade a alguns e com mais hesitação a outros", e "se estende até mesmo aos inimigos, pelos quais também devemos rezar. Assim", continua ele, "não há ninguém entre a raça humana a quem não se deva o amor, baseado, se não na afeição mútua, pelo menos na participação na natureza humana comum". Essas palavras resumem o que o grande Padre da Igreja acredita ser a essência da amizade. Ao longo de sua vida, Agostinho viveu a necessidade dela, junto com o desejo da sabedoria. A amizade e a busca pela Verdade são inseparáveis em sua pessoa. Ele valorizava muito as relações humanas. Os amigos são uma presença constante ao longo de sua existência.
A busca comum por Deus
O sentimento de amizade era tão forte no santo norte-africano que se tornou um aspecto fundamental da espiritualidade agostiniana, pois era com seus amigos que Agostinho compartilhava sua busca por Deus. Seu desejo era viver com aqueles que lhe eram "queridos", "para que possamos examinar juntos nossa alma e Deus. Assim, quem primeiro resolver o problema facilmente levará os outros à mesma conclusão" (Solilóquios I, 12, 20). Essa busca comum é o cerne de sua Regra, como lemos no capítulo 1, versículo 1: "A razão essencial pela qual vos reunistes é para que vivais em harmonia na casa e tenhais unidade de mente e coração, esforçando-vos para Deus". Deus é o bem comum que nos impele a viver em comunidade; é amor a ser descoberto e vivido, que se torna caridade em relação aos outros e conduz à concórdia.
O Papa e a convivência agostiniana
A amizade emerge entre as coisas mais queridas a Leão XIV, que em algumas ocasiões mostrou o traço convivial que caracteriza a família religiosa à qual pertence, a Ordem de Santo Agostinho. Para o Papa, assim como para o prelado númida, as amizades facilitam o caminho para a verdade. ¡°Unindo-nos em amizade, construindo comunidades¡±, disse o Pontífice às novas gerações (Videomensagem aos jovens de Chicago e do mundo inteiro, 14 de junho), ¡°podemos encontrar o verdadeiro significado de nossa vida¡±, encontrando-nos ¡°como amigos, como irmãos e irmãs, numa comunidade, numa paróquia, numa experiência de vida vivida juntos na f顱, podemos descobrir que ¡°a graça do Senhor, o amor de Deus, pode realmente nos curar, pode nos dar a força de que precisamos, pode ser a fonte daquela esperança¡± de que todos precisamos. Unir-se para ¡°promover uma mensagem de esperança¡±, este é o incentivo de Leão, que considera a amizade um instrumento para crescer em seu caminho de fé.
Agostinho e Alípio, dois amigos inseparáveis
As amizades de Santo Agostinho eram variadas e inumeráveis, cultivadas com amor, nutridas pela partilha, cuidadas, buscadas, aprofundadas, presentes nas brincadeiras, nas alegrias, nas preocupações cotidianas, nos momentos mais sombrios, no turbilhão das crises interiores, nas conquistas da razão, pelos caminhos da fé, na sua elevação a Deus. Como esquecer Alípio, o "irmão do meu coração", como o chamava Agostinho (Confissões IX, 4, 7), o amigo que conhecia as suas angústias, com quem partilhava reflexões, interrogações, incertezas, angústias e desejos, ele também um apaixonado buscador da verdade. Estes dois amigos, ambos naturais de Tagaste, hoje Souk Aharas, na Argélia, partilharam duas conversões paralelas. O mesmo turbilhão interior que perturbava suas almas seria resolvido ao mesmo tempo. Alípio, de fato, testemunha a "Tolle lege" (Confissões VIII, 12, 28-29), o momento em que seu amigo retórico ¡ª que aos dezenove anos começara a se tornar fervoroso "na busca da sabedoria, planejando abandonar, assim que" a descobrisse, "todas as esperanças fúteis e as fúrias enganosas das paixões vãs" para se dedicar totalmente a ela (VI, 11, 18) ¡ª conclui sua conversão. Agora com trinta anos, próximo daquela verdade tão almejada, Agostinho não consegue se entregar a ela, mas um dia, com a alma em turbulência e abalada por "uma grande chuva de lágrimas", enquanto seu amigo Alípio estava ao seu lado, ele ouve uma voz "como a de um menino ou de uma menina, não sei, que dizia, cantando e repetindo várias vezes: 'Pega e lê'". Em mãos, ele tem "o livro do Apóstolo", as cartas de São Paulo, e "lê silenciosamente o primeiro versículo sobre o qual" seus olhos "recaíram", com o convite a abandonar a "embriaguez" e os prazeres da carne e a revestir-se "do Senhor Jesus Cristo" (Rm 13,13-14). "Uma luz, quase, de certeza" penetra em seu "coração e toda a escuridão da dúvida se dissipa". Agostinho revela a Alípio o que aconteceu, que "pediu para ver o texto" e "levou o olhar ainda mais além do ponto" onde seu amigo havia parado. "Disse-lhe: 'E acolhei os fracos na fé'. Ele referiu-se a si mesmo e me disse", conta o bispo de Hipona, acrescentando que "sem perturbação ou hesitação" Alípio "se uniu" a ele no propósito de consagrar-se totalmente a Deus.
Um amor além da distância
Entre os muitos amigos de Hipona, merece menção também Nebrídio, um apaixonado pesquisador da felicidade humana, um observador atento dos problemas mais difíceis (Confissões VI, 10, 17), que desejava progredir em sua "mais ardente busca pela verdade e pela sabedoria" na vida comum. Motivos familiares o impediram de ingressar na comunidade fundada em Tagaste por Agostinho ao voltar da Itália. Os dois permaneceram distantes, mas unidos pelo afeto recíproco, e compensavam a impossibilidade de discutirem juntos com uma correspondência regular.
"Padre Roberto" e o povo peruano
E quantas amizades o jovem Robert Prevost construiu no Peru? Durante seus doze anos de missão em Chulucanas e Trujillo ¡ª onde todos ainda o chamam de "Padre Roberto" ¡ª e depois durante seus cerca de nove anos entre o povo de Chiclayo, diocese da qual foi bispo, e de Callao, confiada à sua administração apostólica em 2020, essas inúmeras relações humanas forjadas, cultivadas e nutridas o levaram a abrir ainda mais espaço em seu coração, abrindo-o a todos. Prova disso é, por exemplo, seu discurso aos representantes de diversas Igrejas, comunidades eclesiais e outras religiões (19 de maio), que incentivou a fraternidade: "Nosso caminho comum pode e deve ser entendido também em sentido amplo, envolvendo a todos, no espírito da fraternidade humana". E, em seguida, seu discurso aos representantes pontifícios (10 de junho), no qual os exortou a "construir relações onde é mais difícil", conservando a "humildade".
O vínculo de amor espalhado pelo Espírito Santo
Em seus últimos anos, a síntese de Agostinho sobre suas experiências com a amizade se cristaliza em "A Cidade de Deus" ¡ª dedicada a um amigo, Marcelino, um funcionário imperial enviado a Cartago em 411 para pôr fim ao conflito entre donatistas e católicos ¡ª, na qual ele afirma: "Nesta convivência humana, tão cheia de erros e sofrimentos, somos consolados apenas pela fé sincera e pela solidariedade de verdadeiros e bons amigos" (19.8). Ele já havia reconhecido nas Confissões que "a amizade entre os homens" é "deleitosa pelo vínculo de amor com que une muitas almas" (X,5,10) e havia descrito suas nuances, evocando a angústia e a dor de perder um amigo querido. "O maior conforto e consolo me vinham do conforto de outros amigos, com quem eu compartilhava o amor pelo que amava", confidencia, especificando que sua alma também era cativada pelas "conversas, os risos em companhia, a troca de cortesias afetuosas, a leitura compartilhada de livros agradáveis, os passatempos compartilhados, às vezes frívolos, às vezes decorosos, os desacordos ocasionais, sem rancor, como entre os homens e eles mesmos, e os consentimentos mais frequentes, temperados pelos mesmos e raríssimos desacordos; cada um sendo ora mestre, ora discípulo do outro, a nostalgia impaciente dos que estão longe, as boas-vindas festivas dos que retornam. Esses e outros sinais semelhantes de corações apaixonados uns pelos outros, expressos pela boca, pela língua, pelos olhos e por mil gestos mais deliciosos, são a faísca, eu diria, da chama que funde as almas e faz uma de muitas. Tudo isso se ama nos amigos" (IV,8,13-9,14). Contudo, para Agostinho tudo converge em Deus, e por isso, ainda nas Confissões, ele especifica: «Não há verdadeira amizade, se não a estabeleces entre as pessoas que te são próximas, com o vínculo de amor derramado em nossos corações por obra do Espírito Santo que nos foi dado» (IV,4,7).
Amizade em Cristo
O Papa encoraja esta amizade, fundada em Deus, propondo aos sacerdotes "um impulso para a fraternidade presbiteral", que deve ser fundada "numa vida espiritual sólida, no encontro com o Senhor e na escuta da sua Palavra", porque só com "esta seiva" se podem viver "relações de amizade" (Discurso ao Clero da Diocese de Roma, 12 de junho). Para aqueles que se preparam para o sacerdócio, o conselho de Leão é "cultivar sempre a comunhão" no seminário; para os formadores, "ser bons companheiros de caminho para os seminaristas" que lhes são confiados (Discurso aos Seminaristas das Dioceses do Triveneto, 25 de junho); que os bispos deem "exemplo de amor fraterno" aos seus coadjutores ou auxiliares, aos bispos eméritos "e aos bispos das dioceses vizinhas", e aos "colaboradores mais próximos, bem como aos sacerdotes em dificuldade ou doentes" (Discurso aos Bispos por ocasião do seu Jubileu, 25 de junho). Mas o Papa também lhes pede que cultivem e fomentem a amizade com Cristo. "Devemos experimentar pessoalmente a intimidade com o Mestre, tendo sido olhados, amados e escolhidos por Ele sem mérito e por pura graça", porque, por exemplo, é a "experiência pessoal de amizade com Cristo" que cada sacerdote transmite. "Tornar-se amigo de Cristo significa formar-se em relações, não apenas em competências", enfatiza Leão (Discurso aos participantes do Encontro Internacional de Sacerdotes Felizes, 26 de junho), porque "somente aqueles que vivem em amizade com Cristo e estão imbuídos do seu Espírito podem anunciar com autenticidade, consolar com compaixão e liderar com sabedoria". Significa também "viver como irmãos entre sacerdotes e bispos, não como concorrentes ou individualistas". Portanto, "sacerdotes amigos de Cristo" são aqueles que são "capazes de amar, ouvir, rezar e servir juntos". Além disso, o Pontífice acredita que a amizade deve existir nas comunidades eclesiais, onde "o estilo da fraternidade" deve brilhar (Mensagem aos Sacerdotes por ocasião do Dia da Santificação Sacerdotal, 27 de junho).
Um caminho para a paz
Agostinho compartilhava o conceito de amizade de Cícero. O ilustre orador e filósofo a definiu como um vínculo social na comunidade universal, um valor indispensável e uma harmonia de sentimentos religiosos, civis e políticos. "Ele diz, e com razão", escreve o Bispo de Hipona ao seu amigo Marciano (Carta 258) sobre Cícero, "que a amizade é o perfeito acordo sobre todas as coisas divinas e humanas, acompanhado de afeição benevolente". Mas o grande Padre da Igreja enriquece essa definição à luz da fé cristã, enfatizando que a verdadeira amizade está "em Cristo Jesus, nosso Senhor, nossa paz autêntica e genuína". E novamente em sua obra "Contra as Duas Epístolas dos Pelagianos" (I, 1, 1), ele esclarece: "O que mais é a amizade, que toma seu nome apenas do amor e é fiel somente em Cristo, em quem somente ela também pode ser eterna e feliz?" Esta última citação foi escolhida por Leão XIV na vigília de oração do Jubileu dos Jovens, em 2 de agosto, para responder à pergunta de uma jovem mexicana de 23 anos sobre como encontrar amizades sinceras. As palavras do Papa na vigília da juventude na esplanada de Tor Vergata lembram o próprio Agostinho: "As relações humanas, as nossas relações com os outros, são indispensáveis para cada um de nós, a começar pelo fato de todos os homens e mulheres do mundo nascerem filhos de alguém. A nossa vida começa graças a um vínculo, e é através dos vínculos que crescemos." Aos jovens de todo o mundo, o Pontífice mencionou a "juventude turbulenta" do Bispo de Hipona, que "buscou a verdade, a verdade que não engana, a beleza que não passa" e "encontrou uma amizade sincera, um amor capaz de dar esperança", "ao encontrar Jesus Cristo", e "construiu o seu futuro" seguindo-o. "A verdadeira amizade está sempre em Jesus Cristo, com confiança, amor e respeito", explicou o Papa, recorrendo novamente a Santo Agostinho para enfatizar que "ama verdadeiramente o seu amigo quem ama a Deus no seu amigo" (Sermão 336). Mas Leão ofereceu outros ensinamentos: primeiro, que "a amizade com Cristo" é "o fundamento da fé" e "não é apenas uma ajuda entre muitas outras na construção do futuro: é a nossa estrela-guia". É por isso que "quando as nossas amizades refletem este vínculo intenso com Jesus, tornam-se certamente sinceras, generosas e verdadeiras". E assim, se nos amarmos uns aos outros em Cristo, se formos capazes de "ver Jesus nos outros", "a amizade pode realmente mudar o mundo", porque "é um caminho para a paz".
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