Pastoral Afro-brasileira: desafios na educa??o contra o racismo
Ricardo Gomes ¨C Diocese de Campos
¡°Na faculdade me incomodava o fato de terem poucos negros, mas eu sofri preconceito no ensino médio e fundamental, principalmente.¡± ¨C Aparecida de Fátima Gomes dos Santos.
Nesta reportagem a professora Aparecida de Fátima Gomes dos Santos revela que o preconceito está presente nas escolas e conta um pouco de sua experiencia ao ingressar na Faculdade para cursar Bacharelado em Geografia. E compartilha um pouco de sua vida e a luta pela igualdade racial e contra o preconceito. E luta pelo respeito à dignidade do negro na Pastoral Afro-brasileira que está iniciando atividades na Diocese de Campos.
¡°O maior desafio é aceitar que, infelizmente, o racismo existe e está dentro das escolas e muitas vezes está "escondido" nas falas, nas brincadeiras "sem querer" até nos próprios livros. Como educadora, já presenciei o racismo entre alunos, entre professor e aluno, entre pai de aluno e professor...Quando acontece algum ato ou fala racista entre os alunos na minha sala, sempre paro a aula e tento explicar e resolver a situação, que infelizmente é vista como "brincadeira¡±. É necessário criar um ambiente onde o negro se veja pertencente ao meio escolar: contar histórias com personagens negros, autores negros, falar da cultura negra em geral para que o aluno negro também se veja como protagonista¡±, relata a educadora.
Os desafios de ser negra num ambiente com maioria de brancos. Essa experiencia ela confidencia que a incomodava muito. E conta que já sofreu preconceito desde o ensino médio e fundamental.
¡°Eu tive um professor que usava muito a expressão "nego associada à algo negativo: Ex: "a prova é semana que vem mas nego não quer estudar", "nego vem para aula e fica de brincadeira"...Era hábito essa linguagem dele. Isso me incomodava muito. Um dia eu resolvi dar um basta nisso. Ele falou essa expressão e eu dei um soco na minha mesa e falei: Negro não! Branco! Pois eu sou negra e estou estudando! Cada ano era um apelido racista, uma vez colocaram um fio de cabelo loiro no meu cabelo: para nascer um cabelo bom. Infelizmente na época mesmo se eu faltasse com as professoras, isso era visto como "brincadeira¡±, conta Aparecida.
¡°Sempre ouço os seguintes comentários dos alunos quando estou falando da cultura africana ¡°isso é coisa do demônio professora¡± e eu paro tudo e explico a eles, então vocês podem ira ao cinema ver Ladrão de Raios, cujo o ator branco faz o personagem do filho de Posseidom, Deus dos Mares, mas eu não posso falar de Iemanjá que para a Umbanda é a Rainha do Mar, mostro a contradição e que o que está por trás dessa contradição é o racismo¡± - Sabrina Luz, professora da Rede Municipal de Macaé.
Uma luta: desafios e a coragem de construir uma nova sociedade
¡°A história geralmente é contada pelos vencedores. Nós queremos recontar essa história.¡± Sabrina Luz, professora de Geografia da Rede Municipal de Macaé.
Sabrina Luz, Professora de Geografia da Rede Municipal de Macaé revela o cenário de racismo e preconceito e aposta na educação para superar todos esses problemas que continua existindo no Brasil, um país multirracial. Esse racismo cotidiano na sociedade adentra as escolas. É comum os xingamentos racistas entre os alunos, como macaco, macumbeiro (de forma pejorativa) ou expressões como lista negra, a coisa da preta etc.
¡°O sistema capitalista tem na sua fase inicial o período mercantilista, marcado pela exploração das colônias e do tráfico negreiro, o Brasil foi o país das Américas que mais recebeu pessoas escravizadas trazidas da África e o Estado do Rio de Janeiro foi o principal porto de escravos do país. Vivemos o nosso holocausto, quando milhões de indígenas foram massacrados pelos europeus, como o caso dos Goytacazes, indígenas que viviam aqui, na região Norte Fluminense. Os portugueses não conseguiram em um primeiro momento dominar esses bravos guerreiros e de forma cruel utilizaram o vírus de varíola contra esse povo, uma guerra biológica que gerou a extinção desta etnia¡±, ressalta Sabrina.
A professora destaca a necessidade dos alunos conhecerem a história da raça negra tão presente na sociedade. Uma luta por criar uma nova sociedade que haja respeito.
É preciso falar da luta e ousadia dos que lutaram pela liberdade, com a inclusão no currículo das nossas escolas da história e da cultura dos Goytacazes, Aimorés, Guarus e tantas outras etnias indígenas que aqui viveram, e pesquisar mais sobre os quilombos que existiram na região, como o Quilombo Serra do Mar, o Quilombo Carucango e tantos outros, negros fugidos que organizaram sociedades livres, igualitárias onde viviam negros, indígenas e brancos pobres. É preciso valorizar a cultura tão linda, para que tenhamos orgulho da ancestralidade.
¡°Muitas pessoas, porém não conhecem a história da escravidão e atualmente temos um governo negacionista, conservador que defende inclusive que a escravidão foi boa para o escravo. No nosso país foi orquestrada a política de estado, de embranquecimento do povo brasileiro, negando a terra aos negros e dando continuidade ao massacre indígena e a destruição das nossas florestas. Até hoje o nosso povo negro sofre com a política de extermínio e encarceramento em massa, no ano de 2020, 78% dos mortos pela polícia foram negros, informação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O racismo é brutal, tira a vida inclusive de nossas crianças como nos casos da Agatha Félix e João Pedro no Rio de Janeiro¡±, pontua Sabrina.
Segundo o IBGE, 70% dos alunos das escolas públicas praticantes de religiões de matriz africana evadem ainda no ensino fundamental. A intolerância religiosa é imensa, principalmente por parte dos setores mais conservadores como os evangélicos extremistas.
¡°Eu mesma sofri perseguição e ameaça de inquérito administrativo quando passei o filme Besouro na escola em Macaé, um filme belíssimo que fala sobre a história de um capoeirista chamando besouro no Recôncavo Baiano, um herói nacional, o filme mostra obviamente os orixás que fazem parte da cultura e da resistência negra contra a escravidão. Muitos dos meus alunos são baianos, acho importante eles conhecerem e se orgulharem de seus ancestrais, e o filme é um recurso valioso importante pois mostra a primeira forma de indústria no Brasil, os Engenhos de cana-de-açúcar¡±, afirma Sabrina.
Defender a escola pública laica, democrática, não opressora, socialista para todos, onde todos, educadores e educandos tenham sua cultura e religiosidade respeitadas, onde possam viver como iguais, inclusive os ateus. Defender a escola laica é se posicionar diante de tantos conflitos religiosos que só traz guerra, preconceito e morte há séculos.
¡°Sem dúvida a Lei 11.645/2008 da obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-indígena do Brasil, em todas as escolas e em todos os anos de escolaridade é uma conquista importantíssima da nossa classe e devemos lutar por ela e implementá-la nas nossas salas de aula¡±, conclui Sabrina.
¡°Nós só vamos ter uma educação libertária quando quem decidir sobre a escola e a sociedade for a maioria da população, a classe despossuidora e setores oprimidos, negros, mulheres, indígenas, todos. Precisamos de uma mudança radical na sociedade, por isso defendo a construção de uma sociedade igualitária e socialista, baseada na economia planificada e não no lucro, só assim nos libertaremos de toda forma de opressão e exploração, quando a maioria decidir de forma organizada sobre a escola e a vida¡±, Sabrina Luz.
Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, assine a nossa newsletter clicando aqui e se inscreva no nosso canal do WhatsApp