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As guerras e a "Tranquillitas Ordinis" de Santo Agostinho

"A Santa S¨¦, em seu trabalho diplom¨¢tico pela paz e reconcilia??o, explora todas as possibilidades para oferecer uma estrutura para negocia??es justas. A Igreja universal e as Igrejas locais s?o, na medida do poss¨ªvel, instrumentos de paz e caridade, pr¨®ximas de todos, especialmente dos mais vulner¨¢veis, sem discrimina??o, e sempre ao seu lado na ora??o. Esta ¨¦ uma express?o da caridade crist? e uma resposta ao chamado evang¨¦lico de amar o pr¨®ximo"

Cardeal Dominique Joseph Mathieu OfmConv, arcebispo de Teerã-Isfahan

Mais de um mês se passou desde que o cessar-fogo entrou em vigor, e ainda estamos longe de um acordo de paz. Tudo leva a crer que, em vez de considerar negociações, as partes envolvidas recorreram aos seus próprios fornecedores de armas, para estarem preparadas para enfrentar novas hostilidades.

Ao deixar Castel Gandolfo em 22 de julho, o Papa Leão XIII dirigiu-se aos jornalistas, dizendo: "Devemos encorajar todos a abandonarem suas armas, bem como o dinheiro que está por trás de cada guerra."

Analistas que até pouco tempo atrás falavam em nível mundial de um novo clima de Guerra Fria, agora evocam uma Terceira Guerra Mundial. Ao contrário da Segunda Guerra Mundial, não se trata mais de conquistas territoriais com base em ideologias, mas sim de interferências em territórios de outros países, com o objetivo de desestabilizar os regimes existentes.

Passamos de um mundo bipolar ¡ª Ocidente/União Soviética ¡ª para um mundo monopolizado ¡ª dominado pela hegemonia do chamado "mundo livre" diante de uma ameaça malévola. Hoje, estamos evoluindo para um mundo multipolar, com potências emergentes como as pertencentes aos BRICS. A ordem mundial está, portanto, em plena transformação.

Israel e Irã acusam-se mutuamente de correrem o risco de aniquilação um pelo outro. Um ataca o sionismo judaico, que oprime os palestinos muçulmanos; o outro ataca o regime dos mulás, que ameaça a existência de Israel com seu programa nuclear. A principal fonte de conflito reside na ideologia que demoniza o outro e suas supostas ambições.

São as populações, criminalizadas por uma propaganda hostil, a pagar o preço. Não passa um dia sem que sejam relatadas as mortes das chamadas vítimas colaterais.

Para minimizar o impacto dessa violência, alguns invocam estatísticas que mostram que, ao contrário de guerras anteriores, o percentual de baixas civis é menor do que no passado, visando afirmar a suposta moralidade de seus exércitos; outros enfatizam o direito à reciprocidade. Esses argumentos alimentam questionamentos sobre o direito à defesa e a proporcionalidade da resposta.

A dissuasão diferenciada ¡ª o suposto monopólio das ogivas nucleares, por um lado, e o direito à defesa, por outro ¡ª não tem o objetivo de aproximar os dois lados. Da mesma forma, a guerra preventiva premeditada, justificada por uma suposta ameaça iminente, que poderia impor unilateralmente a paz por meio da capitulação ou derrubada do regime, não é uma solução. O terrorismo de Estado, com suas infiltrações, as suas violências ou apoio a determinados países, partidos ou grupos étnicos, não leva à paz.

Na realidade, as populações desejam viver em paz. Mas seus líderes estão atolados em inimizades que conhecem somente a linguagem das armas.

Desde 1979, Irã e Israel não mantêm relações diplomáticas e permanecem em estado de tensão. Por 46 anos, não houve tentativas de reaproximação, reconciliação ou processos de paz.

No âmbito internacional, um acordo digno de nota foi o Plano de Ação Conjunto e Abrangente (JCPOA, sigla em inglês), que previa concessões às ambições nucleares do Irã, limitadas apenas ao uso civil, em troca do alívio das sanções. As autoridades iranianas não descartaram a retomada desse acordo, mas somente com a condição que seja equo, em uma lógica de "win-win" (vantajoso para ambas as partes).

O Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) prevê não apenas impedir a novas nações de adquirir armas nucleares, como também de desmantelar aquelas que já as possuem. Estados que ainda possuem arsenais, embora os mantenham e modernizem, agora evitam o termo "arsenal", preferindo o termo "dissuasor".

A citação de Dag Hammarskjöld ¡ª "A ONU não foi criada para nos levar ao céu, mas para nos salvar do inferno" ¡ª nos lembra que, quando cartas universais são codificadas, o objetivo é prevenir conflitos e catástrofes, a fim de evitar o pior para a humanidade.

Como Emmanuel Kant escreveu após as Guerras Napoleônicas em seu ensaio "A Paz Perpétua" (Zum ewigen Frieden, 1795): "O estado de paz entre os homens que vivem lado a lado não é um estado de natureza [...]; o estado de paz deve, portanto, ser estabelecido."

Para abordar as urgências do século XXI, Jeffrey Sachs afirma que "O caminho para a paz reside em soluções compartilhadas para problemas comuns ¡ª mudanças climáticas, pandemias, pobreza ¡ª e não na dominação militar" (Discurso no Global Solutions Summit, Berlim, 2021). Precisamente como os conflitos influenciam a ordem mundial, a paz deve ser um interesse comum, não sujeita ao veto de poucos.

Em sua obra "A Cidade de Deus", Santo Agostinho define a paz como a "tranquilidade da ordem" (tranquillitas ordinis). Ele distingue dois tipos diferentes: a paz terrena (relativa, que Santo Tomás de Aquino define como "temporária"), como meio necessário à vida social para evitar o caos ¨C em particular por meio de tratados ¨C e a paz divina (absoluta e, segundo Tomás de Aquino, "espiritual"), que constitui o objetivo final da humanidade e requer conversação espiritual.

Jesus, um pouco antes de Sua Paixão, recorda que a paz é um dom de Deus em João 14,27: "Dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como o mundo a dá". Mesmo no sofrimento e nas perseguições, esta paz permanece, porque é interior. Provém da união com Deus. A paz terrena é reflexo e fruto da paz de Cristo.

Como membros da Igreja, que seguindo as pegadas de Cristo promove a dignidade humana, a justiça e a paz, devemos ser imparciais, dando a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.

Devemos trabalhar pela paz entre as partes, não pela vitória de um lado (cf. 2 Cor 5,18), amando o opressor e o oprimido, sem justificar a injustiça (Jo 3,16). Os cristãos são chamados a "odiar o mal" (Rm 12,9), a "abençoar os seus inimigos" (Mt 5,44).

Como povos do mundo, somos todos filhos de Deus, criados à sua imagem. Judeus, cristãos, muçulmanos, filhos de Abraão, temos o dever moral de respeitar uns aos outros como irmãos e irmãs e filhos do mesmo Pai. Por que querer combater contra a singularidade dos outros? Desde quando voltamos nossas armas contra nossos semelhantes, esses irmãos e irmãs perderam seu valor, tornando-se inimigos a serem aniquilados. E as consequências afetam não apenas o inimigo, mas o mundo inteiro.

A Santa Sé, em seu trabalho diplomático pela paz e reconciliação, explora todas as possibilidades para oferecer uma estrutura para negociações justas. A Igreja universal e as Igrejas locais são, na medida do possível, instrumentos de paz e caridade, próximas de todos, especialmente dos mais vulneráveis, sem discriminação, e sempre ao seu lado na oração. Esta é uma expressão da caridade cristã e uma resposta ao chamado evangélico de amar o próximo.

Rezem pelas vítimas: isso significa pedir a Deus para inspirar os líderes a buscar soluções pacíficas e evitar a guerra, que não pode mais ser considerada uma solução, visto que seus riscos cada vez maiores superam seus supostos benefícios.

O documento Antiqua et Nova, de 2025, reitera que a paz não pode ser alcançada apenas pela força, mas deve ser construída com diplomacia paciente, promoção ativa da justiça, solidariedade, desenvolvimento humano integral e respeito à dignidade humana.

O Papa Bento XVI também enfatizou em 2006, por ocasião do , que a paz é um dom divino que exige a responsabilidade de conformar a história humana à ordem divina, e que o desrespeito à lei moral universal e aos direitos humanos fundamentais impede a realização da paz.

As chagas de Cristo estão abertas no mundo de hoje. Jesus ressuscitado, saído do sepulcro, irrompendo no Cenáculo, mostrou-as aos discípulos assustados que haviam se trancado lá dentro. Agora, nos convidam a abrir nossas portas para testemunhar ao mundo que as trevas não têm a última palavra.

Agência Fides

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12 agosto 2025, 14:35