"Manter aceso o fogo da esperan?a", ¨¦ o pedido de dom Volodemer Koubetch aos ucranianos
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
Em 23 de agosto de 1891 foi registrada no Rio de Janeiro a entrada dos primeiros ucranianos, oriundos da cidade de Zolotiv, região de Lviv, oeste da Ucrânia, que após 45 dias, dirigiram-se para Mallet, no Paraná. Seguiram-se duas outras grandes ondas migratórias, em 1895 e 1896, seguidas por aquelas do séculos XX, no contexto das duas grandes guerras mundiais. O Brasil abriga a maior comunidade ucraniana da América Latina, concentrados principalmente no Paraná. Na cidade de Prudentópolis, por exemplo, estima-se que 75% da população seja descendente de ucranianos.
Junto com seus costumes e cultura, os ucranianos levaram ao Brasil também a religiosidade. Assim, já no século XXI, acolhendo as resoluções do Sínodo dos Bispos católicos ucranianos em relação à estrutura canônica da Igreja Católica Ucraniana no Brasil, o Papa Francisco com sede em Curitiba, nomeando seu primeiro arquieparca, o arcebispo metropolita dom Volodemer Koubetch, OSBM, neto de migrantes ucranianos.
Presente em Roma nestes dias para participar do Sínodo da Igreja Greco-Católica Ucraniana sobre o tema "A Pastoral da Família no Contexto da Guerra", dom Volodemener nos recebeu no Pontifício Colégio Ucraniano de São Josafá. Na conversa descontraída, muitas histórias de seus antepassados ucranianos, mas principalmente o drama vivido após a invasão russa em grande escala, em fevereiro de 2022. Emocionado, e com a voz quase embargada, o arcebispo metropolita falou das palavras e da proximidade do Papa Leão XIV para com o povo ucraniano, demonstrada especialmente nesses últimos dias.
Mas ao longo de toda a entrevista, sobressaiu sempre a palavra "Esperança", acompanhada pelo pedido aos ucranianos para que "se mantenham firmes na oração, na fé, no amor na solidariedade que mantenham a chave, a luz, o fogo da esperança aceso":
O Sínodo da Igreja Greco-Católica de setembro de 2023 foi definido como o Sínodo da Esperança. O que que aconteceu desde então e como estão os trabalhos do Sínodo este ano?
Aconteceram muitas coisas em todos os níveis, no nível global, mundial, na Europa, no Brasil, mas mais especificamente na Ucrânia. Aconteceram muitas coisas ruins. Porém, a esperança não desfaleceu. A esperança esteve viva e continua mais viva e forte do que nunca, essa esperança ancorada na verdade, no bem, ancorada em Deus, e que garante assim aquela força espiritual e moral para continuar acreditando na bondade divina, no amor divino e isso faz com que a esperança permaneça sempre acesa.
Os trabalhos do Sínodo deste ano concentraram-se no tema principal que é o cuidado a ser dado às famílias nesse contexto de guerra, principalmente na Ucrânia, mas também quantos refugiados que estão espalhados pelo mundo, aqui pela Europa, no Canadá, Estados Unidos e outros países. Não é o caso do Brasil. No Brasil nós temos muito poucos imigrantes que procuraram ajuda.
Estamos vivendo também o Ano Jubilar, onde somos chamados ser peregrinos de esperança. Como é possível falar de esperança, por exemplo, ao povo ucraniano que vive toda essa situação da guerra como o Papa Leão XIV diz: ¡°insensata, sem sentido¡±...
De fato, é um uma situação muito difícil, complexa, desafiadora, porque é preciso acreditar no futuro e que esse futuro será melhor, será positivo, que o mal será vencido. Porém falar concretamente com uma pessoa, uma mãe de família que perdeu seu marido na guerra, é algo extremamente difícil, extremamente complicado, porque a esperança é algo do futuro, algo que se espera, mas é algo do presente e este presente é muito doloroso. O que se pode fazer? Muitas vezes palavras ajudam, sim, mas o mais importante é marcar a presença, a Igreja marcar a presença, dar aquele consolo e também praticar o amor concreto à solidariedade, ou seja, precisa ajudar concretamente, com dinheiro, com roupa, com comida, com medicamentos. Eu acho que é essa presença e essa ajuda concreta de caridade, isso fala muito mais do que qualquer discurso teológico do que qualquer outra palavra.
Como está o trabalho e essa proximidade da Igreja Greco-Católica Ucraniana com o sofrimento do povo ucraniano?
Há 2 anos - o ano retrasado -, nós prestamos uma boa ajuda por meio da Cáritas do Brasil, Cáritas Paraná. Para prestar essa ajuda foi criada uma plataforma digital chamada Humanitas, para prestar ajuda concreta, financeira. Do meu ponto de vista, essa ajuda e esse contato mais direto parece-me que esfriou um pouco. Nós precisamos renovar, reforçar essa solidariedade, essa ajuda de forma concreta. Aqui foram feitos diversos relatórios e me parece que, ao menos da nossa parte, nós precisamos fazer algo mais de concreto para ajudar os ucranianos, principalmente esses que estão padecendo esta guerra injusta e insensata na Ucrânia. Porém, se reza bastante, se fala bastante, a gente percebe assim essa preocupação, essa dor que as pessoas sentem. Por outro lado, a gente se sente bastante impotente diante de uma realidade tão desafiadora, tão difícil. E os recursos não são tantos, faltam recursos. As pessoas também precisam trabalhar para ter o seu ganha-pão e parece que se percebe até um certo cansaço diante desta realidade. Mas aí, estamos no Ano da Esperança e mesmo nessa situação tão desafiadora, tão difícil, tão complexa, tão complicada, nós precisamos fazer um esforço para que essa chama da esperança se mantenha acesa e que ela seja não somente uma atitude de espera ou mesmo de oração, mas que seja uma esperança ativa, que ela se concretize em ações concretas de ajuda. E esse é o nosso grande desafio, eu diria, a nossa grande missão, a nossa responsabilidade diante desta realidade. Então, voltando ao Brasil, eu vou conversar com os meus auxiliares e eu pretendo dar um novo impulso nessa ajuda humanitária.
O Papa Francisco, desde o início da invasão da Ucrânia em grande escala por parte da Rússia, em fevereiro de 2022, sempre fez apelos em todas as audiências, Angelus, discursos, sempre se referia à Ucrânia como a martirizada Ucrânia. Agora com o novo pontificado, Leão 14, no dia 28 de junho, nós tivemos a peregrinação da Igreja Greco-católica ucraniana na Basílica de São Pedro com a passagem pela Porta Santa, com a chegada surpresa do Papa Leão XIV. Depois teve o encontro também 2 de julho, quando o Santo Padre recebeu em audiência os bispos que estão reunidos aqui no Sínodo. Uma demonstração de proximidade também do Santo Padre, que ficou profundamente tocado com o arcebispo-mor de Kiev Sviatoslav Schevchuk cantando o Pai Nosso em ucraniano, depois encontro com as mães soldados, momentos que demonstram também essa proximidade. O que o senhor poderia falar desses encontros com o Papa Leão XIV...
Simplesmente foi um momento de elevadíssima espiritualidade, uma manifestação indescritível de proximidade do Papa com a nossa realidade ucraniana, que envolve a Igreja, envolve a nossa Pátria mãe de origem, da onde veio meu avô; toca os ucranianos espalhados pelo mundo, os imigrantes. Para mim foi um momento muito emocionante, eu me emociono.
Algo que o tenha marcado do encontro do Papa comn os bispos greco-católicos ucranianos na ...
O que nos nos tocou muito e que marcou muito e que o Papa Leão XIV repetiu várias vezes, foi dizer com todas as letras, afirmando que essa agressão russa - na verdade é uma guerra ¨C é injusta e insensata, absurda, que não que não tem nenhum sentido. E o que nos tocou muito foi esta proximidade e o fato do Papa também dizer, não lembro quantas vezes, de que está conosco e de que reza pela paz na Ucrânia. Isso nos tocou muito, isso nos animou muito, nos encorajou muito na nossa missão pastoral de pastores, de estar junto a esse povo sofredor e por meio de nós transmitir aquele amor de Deus, que é também o amor da igreja e que é o amor do Papa para com o povo ucraniano.
Voltando um pouco para o nosso Brasil, qual é a realidade da Igreja Greco-Católica ucraniana do Brasil?
O que eu posso dizer, que graças a Deus, nós ainda nos mantemos assim bastante fortes na manutenção dessa riqueza espiritual, litúrgica do rito, de manter as nossas tradições, os nossos costumes, as nossas artes, o artesanato, a arte da iconografia, a arte da chamada pêssanka, os ovos pintados. Nós estamos, graças a Deus, ainda fortes nesse sentido. Por outro lado, devido já ao tempo que se passou - já vai aí 130, 135, 140 anos que nós estamos ali - é claro que é natural que aos poucos vai se perdendo a identidade étnica, a identidade cultural, inclusive a identidade, eu diria, religiosa, ela se perde. E é claro que depende também de nós, da Igreja, dos bispos, dos padres, dos religiosos e religiosas, dos agentes de pastoral, trabalhar isso, manter, preservar esses valores da nossa cultura e da nossa Igreja.
Como o senhor falou, passaram-se mais de 100 anos, a comunidade ucraniana é bastante forte no Brasil, acredito que especialmente no Paraná. Qual é a ligação ainda com essa dor dos ucranianos que permaneceram na Ucrânia? Há o interesse pelos dobramentos dessa guerra?
Sim, eu diria que sim. Claro, não é uma realidade que a gente possa dizer que é de 100%, mas considerando os meus contatos, as minhas conversas, inclusive com jovens, a gente percebe que que existe este sentimento, essa dor, essa solidariedade. Porque afinal de contas, seja lá como for, sendo da terceira, quarta - ou já temos pessoas, gente, crianças, adolescentes da quinta geração - sempre volta aquela ideia: da onde nós viemos, as nossas raízes, os nossos avós, nossos pais, avós, bisavós, tataravós. Eu noto que que existe esse interesse e inclusive essa busca, essa compreensão das nossas raízes, inclusive muita gente descobre pelo , descobre o endereço - consta lá o endereço, o e-mail - e muita gente, inclusive da Ucrânia, pergunta pelas raízes. Sabem de algum parente que se mudou para o Brasil e tem esse interesse de conhecer e saber como é que eles estão. Por outro lado, esse esses que estão no Brasil também procuram suas raízes, buscam suas raízes, quem pode até viaja para o Ucrânia, foi o caso do meu primo que foi para a Ucrânia, especialmente investigar a a nossa origem, os nossos parentes, onde eles estão, ainda vivem, onde estão? É muito interessante isso. Existe esse interesse pelas nossas raízes.
Dom Volodemer, alguma coisa que o senhor gostaria de acrescentar...
Eu acrescento que essa questão da guerra da Rússia contra a Ucrânia, não é uma questão somente da Ucrânia, e isso considerando a parte, vamos dizer, eclesiástica, eclesial e como nação, não é somente da Ucrânia. Na minha opinião, é uma questão de honra para a própria Europa, eu diria para a própria OTAN e eu diria que é uma questão global do mundo. Eu entendo que o que a Rússia pretende é retomar a antiga União Soviética, e o grande passo que está sendo dado neste momento é capturar a Ucrânia. Capturando a Ucrânia, ou parte da Ucrânia, é um bom passo para depois capturar, dominar outras regiões e outros países. Portanto, repito, é uma questão global. A Rússia, para mim, é um perigo, não só para a Ucrânia, a Europa, mas é um perigo para o próprio mundo.
Uma mensagem aos ucranianos no Brasil e se o senhor pudesse se dirigir diretamente também aos ucranianos que estão vivendo esse martírio da guerra na Ucrânia.
Aos paroquianos, diocesanos, ucranianos no Brasil, eu peço que se mantenham firmes na oração, na fé, no amor na solidariedade que mantenham a chave, a luz, o fogo da esperança aceso. E o mesmo eu digo mais ainda ao aos ucranianos que padecem diretamente a essa dor, esse sofrimento, que também se mantenham firmes na oração, na fé em Deus e que um dia nós teremos o fim dessa guerra, nós teremos um mundo melhor e a Ucrânia será livre, forte, soberana e esses nossos ucranianos darão um novo testemunho de desse amor a Deus, desse amor a pátria, dessa fidelidade a pátria, que poderão dizer assim com toda força, com toda a energia, com toda esperança, Slava Ukraini, heroyam Slava!
Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, assine a nossa newsletter clicando aqui e se inscreva no nosso canal do WhatsApp