Gis¨¨le Claudia Ntsama - Moda e ecologia caminham juntas
Dulce Araújo - Vatican News
O mundo da moda em Itália está a enriquecer-se cada vez mais de afrodescendentes determinados a criar um espaço para si e a dar o seu contributo para o fortalecimento desta forma de expressão artística e de criatividade.
E neste cenário sobressai, entre outros, o nome de Gisele Cláudia Ntsama, natural dos Camarões, desde há mais de uma década residente em Itália. Ela distingue-se pelo uso de materiais ecológicos nas suas criações.
Gisele foi um dos vários convidados ao encontro ¡°Diálogo Itália-África - A voz das Indústrias Culturais e Criativas: o caso da moda¡± realizado a 27 de maio de 2025 na sede da enciclopédia italiana, Treccani, em Roma. Foi uma iniciativa do IDIAF, Instituto de Diálogo Itália-África e que para além da Fundação Treccani, envolveu também, entre outros, o Ministério italiano dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação Internacional e a Agência Italiana de Comércio.
Ao lado de outros estilistas afrodescendentes como Victor Hart, Haimanot Honelgn Essefa, Eileen Akbaraly, Gisele Ntsama falou das características do seu trabalho e das dificuldades enfrentadas sempre com determinação e confiança em si própria, como resulta, aliás, da crónica do poeta, ensaista e editor (Rosa de Porcelana Editora) sobre ela, intitulada: Gisèle Claudia Ntsama ¨C A prova de que a linguagem da Moda Africana importa (ver em baixo).
Aplicada, católica e amante da perfeição, Gisèle formou-se, com o máximo dos votos, na Academia de Belas Artes, na cidade de Bolonha, com uma tese sobre fibras ecologicamente sustentáveis. Apaixonou-se, então, pelo cânhamo que, a seu ver, apresenta enormes vantagens ecológicas. Viu-se assim, quase que por acaso, alinhada com as preocupações expressas pelo Papa Francisco na encíclica "Laudato Si". Agora, mais consciente disso, considera que a moda deve dar o seu contributo para a salvaguarda do ambiente, procurando, por exemplo, evitar desperdícios. Nesta linha inscreve-se também a sua opção pela moda intemporal e por desejar que também os cultivadores de cânhamo sejam incluídos no percurso de um maior uso dessa fibra tão vantajosa, pouco exigente em termos de irrigação e pesticidas e que dá para as duas grandes estações do ano: verão e inverno.
Gisèle Claudia Ntsama está também integrada em movimentos de afrodescendentes e não só, do mundo da moda em Itália, como os chamados talentos BIPOC (Black, Indigenous anda People of Color) e a WAMI (We Are Made in Italy) de que fazem parte a Associação Afrofashion, graças à qual ela já foi envolvida em iniciativas, como ter um vestido da sua criação exposto no Museu At Fit, em Nova Iorque.
No seu percurso formativo e experiencial, já passou por laboratórios de renomados estilistas italianos, como Valentino, Giorgio Armani, ou ainda na Boutique Ratti, o que a vai ajudar a retomar a sua marca ¡°Claudia¡±, lançada há alguns anos. Agora precisa de encontrar a porta justa onde bater para ter algum apoio e caminhar em direção à plena autonomia económica, até porque a opção pelas fibras ecológicas requer mais meios - sublinha em entrevista à Rádio Vaticano. Porém, a determinação não lhe falta. Aliás a mensagem que deixa a jovens africanos que queiram enveredar pelo difícil mundo da moda ou qualquer outra profissão é que tenham sempre confiança em si próprios e nunca se sintam limitados por ser africanos e para lá dos estereótipos e do racismo que possam encontrar pelo caminho.
Para ela, o encontro organizado em Roma pelo IDIAF é de grande importância no sentido de ouvir o que os africanos têm a dizer no campo da moda. Espera, contudo, que se passe da teoria à prática, no sentido de maior inclusão, reconhecimento dos talentos e do contributo que podem dar para o enriquecimento da moda em Itália, como aliás, tem sido o desejo do BIPOC, WAMI e outros movimentos do género.
Espera também que isso dê lugar a um intercâmbio enriquecedor entre a Itália e a África no sector da moda, em que cada uma tem algo de específico a dar. Ela tem várias ideias e projetos que se podem realizar no âmbito da cooperação Itália-África com a perspetiva de apoiar artesãos da moda, agricultores de fibras e, porque não, criar mercados, o que seria de grande valor para o desenvolvimento da África - afirma.
Crónica
"Gisèle Claudia Ntsama ¨C A prova de que a linguagem da Moda Africana importa
A estilista camaronesa Gisèle Claudia Ntsama, sonhou sempre ser designer de moda e, enfrentando, racismo e outros preconceitos, hoje é um dos nomes da moda na Itália, país onde vive. Ela é parte de um movimento que afirma a africanidade na estética e a sua capacidade universalizante.
Nasceu na cidade de Yaoundé e cedo começou a vocacionar-se pela moda, com desenho de figuras, alfaiataria, corte de moldes e desenho técnico que foi aprimorando com o tempo. Aos treze anos, tornou-se ativa na comunidade criativa local, colaborando em eventos e desenvolvendo os seus primeiros projetos pessoais, enquanto frequentava um curso de italiano. Em primeira pessoa, assume: ¡°Quando decidi ser designer, senti logo que deveria vir para Itália. Era o sítio certo para mim.¡±
Em 2012, Ntsama mudou-se para Itália depois de oito anos a aprender italiano. "Quando disse a amigos nos Camarões que queria viajar para Itália para me tornar designer de moda, perguntaram-me: 'Porque é que vais estudar moda? Sabes que és negra? Que marca italiana te vai contratar?'", contou Ntsama à Associated Press.
Trabalhou como empregada de limpeza até receber o seu diploma de design em Bolonha, mas a sua determinação fê-la chegar, mais tarde, a Estrasburgo e a Milão. Aprendeu novas técnicas e começou a modelar as suas primeiras roupas enquanto conciliava vários empregos para se sustentar e se dedicar à investigação têxtil que sempre a fascinou.
Singularizou-se pelos materiais que são a base da sua produção, de entre eles a fibra de cânhamo, obtida a partir dos caules da planta Cannabis sativa. Faz um uso habilidoso e aprimorado das roupas a partir das fibras de cânhamo, explorando o seu potencial ecológico. Para ela, o cânhamo é a resposta, com um impacto ambiental significativamente menor do que o algodão. E por ser uma planta extremamente adaptável, cresce mesmo em solos áridos, sem necessidade de herbicidas e exigindo apenas uma fertilização moderada. Em climas continentais, não requer irrigação nem ambientes especiais, produzindo mais fibra do que o algodão na mesma área.
Alta-costura sustentável que faz do cânhamo o seu ponto forte através de um trabalho artesanal único e que celebra a excelência artesanal ao mesmo tempo que cultiva a experimentação.
Além disso, explora linhas de desenho entre o Oriente e o Ocidente, inspirados na moda de Junya Watanabe e Rei Kawakubo.
Inspirações à parte, Gisèle Claudia Ntsama criou a sua marca em Bolonha em 2020, depois de um portfólio de exposições que lhe foram abrindo espaço no mundo da moda italiana. Em 2015, participou em vários projetos universitários com mentoria da Afro Fashion Association.
Em 2016, expôs na Lineapelle e, em 2017, expôs a sua primeira coleção de pronto-a-vestir em Florença. Em 2019, trabalhou em Bruxelas como Assistente de Designer Têxtil e expôs durante a Semana de Design de Milão.
Participou, como designer têxtil na Ratti, na primeira Semana de Moda Afro digital em Milão em fevereiro de 2020 e em setembro seguinte juntou-se à primeira geração de ¡°Fab Five Bridge Builders¡± com o apoio do WAMI Collective, e novamente em fevereiro de 2021 com o apoio de Stella Jean e Edward Buchanan.
Depois de uma dura batalha contra o racismo no mundo da moda, estas estilistas conseguiram fazer história na Semana da Moda de Milão e tornar o estilismo negro parte da Moda Italiana.
Em 2021-22, trabalhou como assistente de design de moda na Valentino."
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