Frantz Fanon - A atualidade do seu pensamento
Dulce Araújo - Vatican News
A Tunísia foi um dos países, onde Frantz Fanon, viveu, trabalhou como psiquiatra e escreveu uma das suas mais conhecidas obras: "Pele Negra, Máscaras Brancas". Mas, do seu pensamento crítico, tão necessário para a África de hoje, poucos se recordavam. Daí que o Border Studies Reserach Group tenha colhido a ocasião do seu Centenário de nascimento para trazer à tona a sua figura - explicou em entrevista à emissão semanal "África em Clave Cultural: personagens e eventos" o psicólogo clínico e docente universitário, Wael Garnaoui. Foi num Colóquio Internacional intitulado "Alienação, Violência e Migração nas sociedades pós-coloniais da África do Norte", realizado na Universidade de Sousse nos dias 21 e 22 de fevereio de 2025. É que o pensamento e as obras de Fanon abrangem questões complexas relacionadas com a descolonização do pensamento, com o racismo e com os mecanismos socio-psicológicos gerados pela colonização e cujas consequências se vivem ainda hoje.
O Colóquio que reuniu estudiosos de várias disciplinas e de vários países e um vasto publico de pessoas de várias idades, atingiu, segundo o professor Wael Garnaoui, os seus objetivos e agora os organizadores visam continuar a reflexão e publicar uma obra que contenha as atas e outros escritos. Os estudantes da Universidade de Sousse, que para o Colóquio preparam uma galaria de cartazes com assuntos relativos a Fanon, estão também empolgados com a ideia de publicar um dicionário de citações do pensamento do psiquiatra martiniquês. Mas, não se fica por aí. O objetivo maior é refletir à luz das teorias e ações de Frantz Fanon e encontrar soluções para os desafios das sociedades africanas de hoje, incluindo acabar com as mortes no Mediterrâneo.
Mas, para melhor colher a riqueza do Colóquio ilustrado por Wael Garnaoui na entrevista ouça a emissão ¡°África em Clave Cultural: personagens e eventos¡± e leia também a elucidativa crónica de Filinto Elísio (Rosa de Porcelana Editora) sobre Frantz Fanon.
Crónica
Frantz Fanon ¨C A atualidade do seu pensamento para a releitura do sistema mundo
O ano de 2025 celebra, entre outros grandes acontecimentos, o Centenário de Nascimento do psiquiatra e filósofo Frantz Fanon, uma das personagens mais marcantes no afrontamento ao racismo e ao colonialismo durante o século XX, continuando a ser ainda hoje uma figura de referência para estudos pós-coloniais e sobre a Africanidade.
O seu pensamento estribava-se na razão crítica do antirracismo e do anticolonialismo, com recortes sobre as causas e as consequências psicológicas do colonizado e do colonizador, com formulações psiquiátricas, sociológicas, filosóficas e políticas.
Para uns, considerado um pan-africanista e humanista consequente, aportando na sua visão a análise estruturante da Diáspora Africana, Fanon para outros eta um político radical que poderia colocar em crítica e em crise toda a Ordem Mundial baseada no colonialismo e no imperialismo, uma psicopatologia na qual os povos africanos e os seus descendentes estariam sujeitos à subalternidade.
Diante da violência do processo colonial, sobretudo durante a sua vivencia na Argélia, ocupada pela França, Fanon aderiu ao movimento de libertação argelina.
As suas obras tornaram-se peças essenciais para a construção das superestruturas anticoloniais, determinantes para as lutas de libertação anticoloniais, nomeadamente a Guerra da Independência da Argélia, os processos descolonizações das possessões europeias na África, a Guerra no Vietname e as lutas de libertação dos povos colonizados por Portugal, assim como os movimentos emancipatórios na Palestina, no Sri Lanka, na África do Sul e nos Estados Unidos.
Ele também desenvolveu estudos sobre a psicologia comunitária, orientada para a integração familiar e social como terapia para a saúde mental, mudando o paradigma da abordagem da institucionalização das psiquiatrias e dos manicómios como espécies de centros de reclusão e de ostracismo.
Nasceu Frantz Omar Fanon, em Forte da França, capital da Martinica ilha francesa nas Antilhas, a 20 de julho de 1925. O pai Casimir Fanon, funcionário administrativo, e a mãe Eleonore Médélice tiveram uma influência marcante na sua formação. Teve acesso a boas escolas, inclusive no único colégio secundário da ilha, o Lycée Schoelcher, onde foi aluno do poeta e político Aimé Césaire, um dos fundadores do Movimento da Negritude, que muito viria a influenciar o seu pensamento. Em 1943 deixa a Martinica e se junta às tropas da França Livre, que resistia à ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial.
Em 1960, Fanon percorre o continente africano pregando a necessidade da libertação e formulando ideias de ação ativa com todos os meios para a descolonização, enquanto se debatia com uma leucemia que lhe condicionava algumas dinâmicas já criadas e que viria a provocar o seu falecimento, em 1961, com apenas 36 anos de idade.
É neste contexto, que finalizou a escrita de Os Condenados da Terra, livro que viria a sair com um prefácio de Jean-Paul Sartre, de quem era amigo e admirador, com afinidades filosóficas e na forma como interpretavam o existencialismo e o processo histórico.
Numerosos livros de Fanon foram publicados, centrados naquilo que acreditava sobre o estatuto e o papel do sujeito dominado em face do sujeito dominador. Na vasta bibliografia autoral de Frantz Fanon podem -se encontrar os seguintes livros Pele Negra, Máscaras Brancas (de 1952), Os Condenados da Terra (1968), Em Defesa da Revolução africana (1964), ?uvres (2011), Écrits sur l¡¯aliénation et la liberte (2015), Escritos Políticos (2021).
Hoje, Frantz Fanon, como Amílcar Cabral e Cheik Anta Diop, são referência do pensamento decolonial e da análise crítica do capitalismo (enquanto Sistema-Mundo) contemporâneo, a partir de novas perspetivas, com ferramentas conceituais de rutura com o essencialismo identitário hegeliano, aportando a abordagem multiculturalista, plural e diversa da História.
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Mais algumas fotos do Colóquio (cortesia do prof. Wael Garnaoui)
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