Igreja em Cabo Verde - Carta dos Bispos sobre o Dec¨¦nio Jubilar
Dulce Araújo - Vatican News
¡°Nós, os Bispos de Cabo Verde, juntos convocamos todos os católicos das nossas dioceses e toda a nação cabo-verdiana, no território nacional e nos países de emigração, para as celebrações jubilares dos 500 anos da Diocese de Santiago.¡±
Esses bispos são o Cardeal Dom Arlindo Furtado, Bispo da Diocese de Santiago e Dom Ildo Fortes, Bispo da Diocese de Mindelo que, a par desta convocatória, convidam para a Missa de abertura das celebrações dos 500 anos a ter lugar na Cidade Velha, ilha de Santiago, no dia 29 de janeiro de 2023. Um convite e uma convocatória expressos tanto no início como no final da ampla Carta Pastoral dada a público, este mês, pelos dois bispos, com vista na abertura do decénio jubilar, carta que tem por título: ¡°Alegrai-vos! O Senhor fez maravilhas em favor do Seu povo.¡±
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Nas 28 páginas da Carta, articulada em dois capítulos, uma introdução e uma conclusão, os dois bispos evocam a data da criação da Diocese de Santiago, justificam as razões do jubileu e ilustram o projeto de celebração, para depois concluírem com o convite a todas as pessoas de boa-vontade a participarem ativa e criticamente nesta caminhada, expressão de um património imaterial de todos os cabo-verdianos: os valores evangélicos. A fechar a Carta, uma oração para o jubileu.
Foi a 31 de janeiro de 1533 que, com a bula Pro Excellenti Praeeminentia, o Papa Clemente VII criava, com território desmembrado da Arquidiocese de Funchal (na Madeira), a Diocese de Santiago. Para além das ilhas de Cabo Verde, essa Diocese abrangia um vasto território que hoje corresponde total ou parcialmente ao Senegal, Gambia, Guiné-Bissau, Guiné Conacri, Serra Leoa, Libéria, Mali e o Burkina-Faso.
A criação dessa Diocese, era a confirmação na fé em Jesus Cristo das primeiras comunidades cristãs do arquipélago, formadas, no essencial, de europeus livres e de africanos escravizados. Isto, 71 anos após o anúncio do Evangelho, iniciado com o povoamento das ilhas em 1462. Hoje - escrevem os bispos - ¡°com a determinação que nos é pedida pelo tema das celebrações jubilares - ¡°Diocese de Santiago de Cabo Verde, 500 anos de uma Igreja Consciente e Missionária¡± - as nossas Dioceses ouvem de novo o apelo que Cristo ressuscitado dirigiu aos seus apóstolos antes de subir aos céus: ¡°Ide pois, fazei discípulos de todos os povos, e eu estarei sempre convosco¡±.&²Ô²ú²õ±è;
A esperança dos bispos é, portanto, que a celebração destes 500 anos favoreça nas suas dioceses uma resposta generosa a este apelo de Jesus que é o lema do Jubileu: ¡°Ide e ensinai, eu estarei sempre convosco¡±. E isto não só no território nacional, mas também nas comunidades emigradas e onde Deus achar por bem.
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No primeiro capítulo, que ocupa grande parte da Carta, os bispos desenvolvem, recorrendo também a vários documentos da Igreja, o tema ¡°Jubileu é alegria¡± em seis alíneas: os motivos da nossa alegria; alegria pela Boa Nova da Libertação; alegria pelo dom da fé; alegria por ser Igreja; a graça do perdão jubilar; a semente que cai em boa terra dá muito fruto.
Jubileu - escrevem - significa contentamento, alegria. E sublinham que as difíceis e singulares condições histórico-geográficas em que se deram o povoamento, a subsistência da população, a evangelização, a criação da Diocese de Santiago, o crescimento da Igreja local, justificam as celebrações do jubileu. Essas condições prendem-se com a escravatura, as secas, fomes devastadoras, vacaturas frequentes da sede episcopal, confronto da Igreja com regimes políticos adversos, carência de pessoal missionário, etc. Como é que o Evangelho pode ser boa nova num tal contexto, ¡°De quê alegrar-se nesses quinhentos anos da Diocese?¡± - perguntam-se, contudo, os prelados cabo-verdianos.
E em resposta, recordam que a condenação da escravidão tem profundas raízes na religião e na cultura. O Evangelho ensina, de facto, que todos somos irmãos em Cristo, de cuja cruz redentora nos vem a liberdade plena e a força libertadora. A livre procura da união com Deus é o motor da história. Qualquer outro modelo baseado no ateísmo, como a luta de classes, é incapaz de libertar integralmente o homem. A escravatura é fruto do pecado pois, em Cristo, diz o Evangelho, ¡°não há escravo nem livre, todos os homens são irmãos¡±. Isto não significou, contudo, por parte do Novo Testamento, condenação formal da escravatura, mas - notam os bispos - a Igreja sempre criticou a assunção antropológica que justifica a escravidão e em muitas ocasiões contribuiu para o alívio e desaparecimento da sua prática. O Jubileu dos 500 anos é, portanto, ocasião para se dar graças a Deus pela Boa Nova da salvação que oferece uma visão integral da liberdade e se torna guia dos processos de libertação que têm acompanhado a caminhada dos caboverdianos; constitui igualmente uma oportunidade para render homenagem aos missionários.
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O Jubileu é também alegria pelo dom da fé, e o desejo dos bispos é que as celebrações sejam um tempo de graças que ajude a sentir a alegria de crer, a reavivá-la, a ter presente que sem a luz da fé, os caboverdianos não compreenderiam o sentido da sua história, das suas origens, dos seus sofrimentos, da sua própria existência. ¡°As celebrações jubilares deverão ¡°confirmar nos cristãos de hoje a fé no Deus que se revelou em Cristo, sustentar a sua esperança, prospetada na expectativa da vida eterna, reavivar a sua caridade, operosamente empenhada no serviço dos irmãos¡±.
Celebrar o jubileu - continuam- é ¡°alegrar-se por sermos Igreja, Igreja local¡±. E a Diocese de Santiago tem a graça de ser a primeira Igreja local da África Ocidental a sul do Sahara, a primeira a que pertenceram ao mesmo tempo brancos e negros, escravocratas e escravos, missionários, todos tendo um só Deus. Uma Igreja que para além do anúncio da Palavra ocupou-se também da promoção da educação e da saúde.
¡°O crescimento da Igreja em Cabo Verde é motivo de júbilo¡± - frisam os bispos, detendo-se sobre o número de paróquias (43) e outras infraestruturas, o empenho dos cristãos, o intenso serviço da palavra também junto das comunidades emigradas em África, Europa, América, tudo no espírito de que ¡°O homem é a via da Igreja. Ela deve velar para que a vida do homem se torne mais humana (¡)¡±. ¡°Ao longo dos 500 anos, vivendo em situações muito diversas, a Igreja fez ouvir a sua voz profética, por vezes com grande eco, pelos seus bispos e padres, condenando o tráfico de escravos e defendendo a libertação dos batizados, dando força à luta de camponeses desfavorecidos, defendendo a vida no ventre materno, reivindicando liberdade religiosa e outras liberdades para os caboverdianos¡±. ¡°Que o nosso Jubileu seja um grande louvor a Deus pela Igreja que acompanha os cabo-verdianos desde o início da sua história¡± - escrevem - mencionando também o primeiro bispo cabo-verdiano, D. Paulino do Livramento Évora.
O Cardeal Dom Arlindo e Dom Ildo regozijam-se com o seu povo pela ¡°encarnação de Cristo e pela nossa redenção¡± e salientam que não é a ciência que redime o homem, não é o homem o redentor do homem, redimir é resgatar, ser redimido é viver em Cristo. A história de Santa Josefina Bakhita evocada pelo Papa Bento XVI na Spe Salvi é exemplo disso - citam os bispos, para os quais ¡°A redenção é o maior motivo do nosso jubileu.¡± E convidam a pôr diante de Deus os pecados da Igreja em Cabo Verde e dos seus filhos para que Deus, na sua misericórdia, conceda o Espírito que impele a amar e a colaborar na construção do seu reino."
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A semente que cai em boa terra dá muito fruto. Então ao convidar a não resignar a uma vida medíocre, superficial e indecisa os bispos de Cabo Verde sublinham que ¡°ao longo de mais de 500 anos de evangelização, pela misericórdia de Deus, alguns pecadores perdoados de Cabo Verde devem ter entrado no céu como santos e estão na presença de Deus¡±. E se até hoje nenhum cabo-verdiano foi proclamado santo, não faltam, todavia, sinais de santidade relacionadas com o país. Recordam, antes de mais, que João Paulo II, santo muito amado mundialmente, pisou as terras de Cabo Verde; São Pedro Claver, conhecido como servo dos negros, foi servido por empregadas caboverdianas; na Argentina é grande a fama de santidade do escravo Manuel que foi de Cabo Verde e se dedicou ao serviço de Nossa Senhora de Lujan; e há informações de que em 1462 o missionário franciscano Frei Rogério, foi morto por causa da sua pregação, por Bartolomeu da Noli.
O Jubileu dos 500 anos é, portanto, ocasião de louvor a Deus pelo trabalho evangelizador dos santos pastores, religiosos e leigos, discípulos-missionários que mostraram aos seus irmãos o rosto de Cristo.
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No breve capítulo sobre o projeto das celebrações são recordados o tema, o lema e os objetivos. O que se pretende, de forma geral, é ¡°contribuir para o fortalecimento de uma Igreja de discípulos missionários que conhece, assume e vive com gratidão e paixão a sua história, projetando um futuro de esperança¡±.
Seis os objetivos específicos, entre os quais dar a conhecer o percurso histórico da Igreja em Cabo Verde, impulsionar a formação de uma Igreja viva, consciente, missionária no testemunho alegra da fé; promover a Escola Universitária Católica¡
Revela-se que as celebrações terão lugar em três fases. Na primeira (2023-2025) pretende-se debruçar, com gratidão, sobre o percurso da Diocese, das origens até ao presente, sendo as celebrações centrais, ao longo deste ano, em Ribeira Grande de Santiago (Cidade Velha); em 2024 serão nas Américas e em 2025 na Europa;
Já a segunda fase (2026-2028) será sobre os desafios da Igreja de hoje; e a terceira (2029-2031) sobre o futuro da Igreja no terceiro milénio.
2032 será de intensa preparação para o grande jubileu de 2033. Entretanto, o primeiro ano do decénio é dedicado à família que é convidada a acolher o Evangelho, a cultivar a espiritualidade e a praticar o diálogo e o perdão, pois que, historicamente, Jubileu está ligado a perdão - faz-se notar na Carta.
Em todas essas fases marcadas, respetivamente, pela Gratidão, Paixão e Esperança, ¡°vamos dar graças a Deus por ¡°ter feito de Ribeira Grande de Santiago e, a partir dali, as ilhas de Cabo Verde, o cadinho de uma nação jovem, levada pela fermento redentor e aglutinador do Evangelho, semente de liberdade, fraternidade, concórdia, esperança e amor.¡± - rematam os bispos antes de concluírem com o convite a todos para esta caminhada jubilar. Um Jubileu a que a Diocese de Mindelo é associada por completar nessa data (2033) 30 anos da sua criação e pelo facto de 470 dos 500 anos da Diocese de Santiago terem sido para todo o arquipélago, até então com uma única Diocese. Trata-se, portanto, de duas Dioceses irmãs, ligadas pela história e pela comunhão.
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